A angústia e a agonia que tomaram conta de mim passaram do limite do humanamente suportável.
Por que me destes um anjo?
Por que colocastes um anjo em minhas mãos, confiando em mim para cuidar da Tua criação e depois, quando o amor já está esparramado por todo meu ser, como se fosse trepadeira, Tu queres arrancá-lo de mim?
Se Teu anjo, que me destes por confiança, já voa pelos Teus céus, então me levas, porque sei que correspondi às Tuas expectativas. Mas o anjo? O anjo não! Levar o anjo contraria Tua própria essência divina, pois que posso eu mais que uma criatura tão mais elevada como é Teu anjo?
Teu anjo sangra em dores infernais todos os dias, noite após noite e Tu dele não Te apiedas?
Sendo eu tão falha, pudesse tirá-lo da escura dor em que seus ais ecoam, já o teria feito... Na verdade nem o deixaria ter entrado lá.
Se eu sou má, como diz Teu livro, onde está o Teu pão e não a Tua pedra?
Apedrejas a mim que sou tão desnecessária... Mas ao anjo? Ao anjo não!
Decerto dirão: - Quem é ela, quem é esta mulher que discute com o Criador?
Mas é Contigo que falo e digo: - Sou Tua criatura e se aqui estou, se é preciso dominar o mundo e não deixar-me dominar por ele, se é das Tuas leis, poder-me-ia eu calar este coração e aceitar passivamente que o mundo carregue Teu anjo? Que o vento carregue o anjo como uma folha de papel tão repleto de espaços em branco e não me rebelar?
Não!
Se me fizestes a Tua semelhança, também me destes o direito aos meus questionamentos, pois se assim não fosse, estaria afirmando junto a minha inferioridade, a Tua.
Dores, ranger de dentes, fogo eterno por conta da minha heresia? Que se faça.
Mas com o anjo?
O anjo não!


Foto de Vânia Toledo - O nascimento do Anjo
“Projeto Mulheres espetaculares”