Uma pequena prova do amor que sinto
Maceió, Terra de Alhures, dezembro de 2010
Razão do meu viver,
Digo-lhe eu que minhas asas já não são. Arrasto-as como pesos mortos, gostaria de me ver livre delas e finalmente pisar no chão com segurança.
Afinal, para que servem asas senão para nos dar uma sensação perniciosa de irrealidade?
O problema das asas é que estão constantemente recordando que voavam, e mesmo contidas, dão uma sensação permanente de insegurança, pois podem rufar numa explosão de energia que nos elevaria sem direção, já que os planos de voo foram-se todos, quando da decisão de permanecer no solo. Isso causa uma vaga, porém permamente, sensação de terror.
Não me arrependo de ter deixado inativas as asas. Aprender a voar é nunca mais querer tocar no que é real. E eu, sinceramente, não recomendo a ninguém aprender a dar grandes voos solo sobre os campos cobertos de miragens, sob as rutilantes estrelas, desafiando o sol e a lua. Não apenas Ícaro se deu mal, muitos outros cairam no abismo de onde nunca mais retornaram ou, se o fizeram, foi com marcas permanentes e dolorosas.
Eu não queria ser responsável pelo seu desejo de voar. Egoísticamente, fico no solo esperando que, se você aprender a voar e se você tiver de cair, possa eu amparar a sua queda, já que não é possível a ninguém impedir que o outro, por mais que o amemos, voe livremente rumo ao sol. Dédalo não o pode evitar com Ícaro e ninguém, na verdade, o poderia.
Prefiro, por isso mesmo, atribuir aos meus amados - como é seu caso - as forças dos animais totêmicos e lanço mão dos falcões peregrinos, criaturas belas, que possuem voos irrepreesíveis e ataques fulminantes e eficientes.
Entego-os às forças dos falcões, que por sua vez buscam as suas na Anima Mundi - tão mais possível aos animais, que são inocentes - e que a emprestam sem egoísmo aos homens.
Deixar de voar meus voos, foi uma pequena prova do amor que sinto. Foi me entregar ao chão para ser chão para você, foi levantar muros e guaritas para lhe ensinar a se proteger. Já que é impossível levantar proteções para outros, descobri - por pura necessidade desesperada - a levantar edificações e fotalezas, para ensinar a fazê-lo e me desesperar na possibilidade de não conseguir ensinar convenientemente, eficientemente.
Lancei mão da minha liberdade pela sua segurança e disso não me arrependo, ao invés de asas livres você tem as asas dos falcões, que são voadores mais eficientes do que eu jamais sonharia ser.
Que o sol brilhe sobre você e dentro de você, que as estrelas guardem suas noites e que a lua jamais te chame. Que as bençãos da vida lhe amparem e que você possa agradecer à Luz toda a sua existencia.
Beijos cobertos da luz das estrelas.