Arraial do Tijuco, 10 de março de 1756.
 
                    Minha amada irmã Helena,

          Como é bom ter notícias suas e saber que vosmecê está feliz e é bem tratada por seu esposo! Aqui em casa, estamos todos muito bem, graças a Deus. Só mesmo mamãe que está impaciente e intolerante como nunca! 

          Imagine que ela fez-me ler para ela sua carta todinha e, claro, não gostou nada do que ouviu... Disse que aqui em casa ninguém se mistura com a família de José. Bem nessa hora, percebi que papai estava ouvindo a leitura da carta e ele disse bem firme que nunca, em tantos anos que eles são casados, ele obrigou mamãe a fazer qualquer coisa e, portanto, ela estava livre para não ir ao almoço em sua casa. Mas não dava a ela o direito de proibir ninguém de ir, porque vosmecê tem família e ele, que é seu pai, não permitirá que vosmecê passe vergonha diante dos familiares de seu marido. Depois, virou-se para mim e disse que o dia que eu quiser lhe visitar, é para falar com ele, que ele me levará até vosmecê. Mamãe acatou, é claro, mas ficou um par de dias sem me dirigir palavra. Omiti a parte de sua carta em que vosmecê se referia à Dona Chica da Silva, o que foi bem fácil, já que mamãe não sabe ler. 

          Graças ao bom Deus, papai desistiu de me casar com o filho do Seo Manuel, dono da bodega. Concordo com vosmecê, minha irmã, todas as vezes que o vi achei-o muito morgadinho1. Falei com papai que, se ele quiser, podia tentar ver se o Capitão-mor de Vila Rica pensa em casar seu filho do meio, o Sr. João Augusto Pereira. Papai achou graça de mim e disse que sei escolher noivo. Vosmecê deve estar se perguntando de onde eu conheço o filho do Capitão-mor de Vila Rica. Pois dias depois de seu casamento, numa noite chuvosa, o Sr. João Augusto Pereira pediu a papai para se arranchar2 aqui em casa com sua tropa, que ele estava em viagem para a Bahia. Papai acomodou os tropeiros do Sr. João nos barracões e ele, bom moço de origem, pousou aqui na casa grande. Fizemos um serão4
 animado e toquei piano a noite toda! O Sr. João Augusto é um moço de belo porte, trabalhador e rico. É com ele que quero me casar! Minha boa irmã, reze para dar certo. Vou gostar de viver em Vila Rica em uma casa grande, confortável e cheia de escravos!

          Quem nos visitou há poucos dias foram a Tia Francisca e a prima Quitéria. Vieram trazer o convite de casamento de Quitéria com o Sr. Antônio Torres de Sá Filho. Achei estranho, porque Quitéria não parecia muito feliz em casar-se. Mas vosmecê sabe como é sua madrinha Francisca, facundíssima3, não permite que a pobre Quitéria abra a boca. A Tia Francisca contou que todos os enjôos que sentiu passaram e quer que Quitéria se case logo, antes da criança nascer, porque senão ela não poderá comparecer ao casamento de sua única filha, por ter que cumprir o resguardo. A Tia Francisca disse que quer muito ter outra menina, mas Tio Abílio não quer mais mulher em casa, justamente agora que já arranjou casamento para Quitéria! Fiquei com pena de Tia Francisca, porque vai perder a companhia de Quitéria.

          Minha boa irmã, vosmecê deixou-me imensamente feliz ao dizer que terei seu auxílio no bordado de meu vestido de noiva! Vou pedir a papai para me levar logo para visitar-lhe, minha irmã, porque a saudade é grande. E então combinamos direitinho em quais dias vosmecê virá aqui em casa bordar comigo. Até porque, esta será a única maneira que vosmecê terá de ver mamãe.

          Fique com o bom Deus, nosso Pai, minha querida Helena. E reze para que eu seja a futura senhora João Augusto Pereira.

                                                  Com afeto, de sua irmã que a ama,

                         Maria Sebastiana Gonçalves (Pereira, se Deus quiser).
 
 
1 Morgadinho – rapaz exageradamente elegante ou afetado
2 Arranchar – dar pousada, albergar
3 Facundo – eloquente, falador

4 Serão – Reunião recreativa entre pessoas da família ou gente amiga,

realizada à noite; passatempo noturno; sarau: um serão dançante para os amigos.



                    (Imagem: http://pedroa-o.blogspot.com/2010/08/ame-as-palavras-como-amas-as-pessoas.html)