CARTA À MINHA VIDA

(Desta terra donde me renasço)

Vida, minha Vida...

Nunca me disseste que temer-te é a pior morte (ou se me disseste, nunca quis arriscar ouvidos, nem olhos, nem voz, muito menos mãos para revolucionar areias e impulsionar a erecção)! Vida, por que te vestiste de negro e me assustaste de morte?... Por que me inverteste horizontes e me asfixiaste com a terra do meu semeio? Custava-te, Vida, custava-te, teres-me ensinado que a areia é permeável, também no sentido ascendente?... Custava-te permitir-me um pouco de sol, para me dar a réstia de força que me faltou?...

Por tua culpa, Vida, julguei-me morta em vida, sem saber que essa é a pior morte. Ter medo de morrer é natural, saudável e necessário, para te defender, Vida. Ter medo de viver é contrário à natureza, insalubre, ímprobo. Ofensivo à própria essência humana...

E, confesso, eu tive medo de viver. Morri sem saber, sem querer saber. Culpar-te agora, Vida, é-me preciso, sabes..? É-me vital. Não vês...? culpar-te agora é a minha única salvação, o meu único meio de fuga ao peso da terra que me sepultou, tanto tempo. Se não for a ti, a quem atiro as pedras do meu sepulcro? Quem cego, com as areias onde deslizo a minha lápide? Quem magoo, com os espinhos que me vestem de martírio?

Culpar-te é a minha única redenção. Magoar-te, a minha única hipótese de sair ilesa.

E, assim magoada, quero amar-te, Vida. Cuidar-te, como nunca te cuidei, como nunca me cuidaste. Salvar-te.

Salvar-me.

Viver, antes que chegue o meu tempo de temer a Morte. Porque isso, sim, é natural - temer a Morte. No tempo certo, nunca no tempo de amar-te, Vida. Enfim...