Quase confessar (EC)
Caro André,
Pensei por toda, ou quase toda a vida, antes de tomar está decisão. Até bem pouco tempo jamais imaginaria chegar a tal ponto.Ou melhor, chegar ao ponto. Não sei se me abato ou me alegro, se me anuncio ou se me denuncio. Sei apenas que alguma hora, esta hora havia de chegar.
Rendo-me. Ponho agora uma marca no decorrer desta jornada. Haverá dias, meses, anos que antecederam esse Hoje, e haverá o que vier depois. Esta carta é um emblema, uma insígnia que marcará, delimitará os meus dias e quem sabe os teus.
Todos temos algum ou alguns segredos, atos dos quais perdemos a chave da revelação, gestos que nos comprometeriam, ou que causariam mal a alguém, desestabilizariam vidas, enfim, atos que por alguma razão precisamos arquivar, queimar, não deixar provas.
Tenho um guardado precioso, que decidi ser só meu até bem pouco. Porém ao completar mais da metade da jornada de existência, antes que a visão, e principalmente a razão me falte, vou materializar aqui, em poucas palavras esse tesouro. Pretendo que esta te seja entregue, e envidarei todos os esforços para que chegue intacta as tuas mãos.
Seria um tanto egoísta em te esconder por mais tempo.
André, assim que receberes esta missiva, acompanhada dela um pacote seguirá. Deves agora, por exemplo, estar estranhando tanto mistério, principalmente de alguém que há muitos, muitos anos, diria décadas, sequer sabes notícias. Mas eu, ainda que geograficamente distante, não te perdi de vista, e armei uma teia, bem engendrada, onde pela qual tive constantes notícias tua, de tua vida.
Não, ainda não me condene, sei que por outras razões, mais adiante, certamente me condenarás. Peço se não for muita ousadia que me perdoes por tudo, por absolutamente tudo e compreenda as minhas prováveis razões. Sei que tal revelação, pode ou não modificar tua vida, tudo vai depender de como me interpretares e interpretares a vida e de quão favorável fores com o destino.
Rogo que se tiveres que castigar alguém, que seja apenas a mim. A tua punição, o teu desprezo ou silêncio tomarão o lugar da pena diária que me impus silenciosamente por todos estes anos de tortuosa reclusão. Neste momento em que te escrevo tiro da minha alma um peso incomensurável, que contribuiu amargamente e sem volta para que eu hoje seja quem sou a sentença que me imputei restou neste estado atual em que me encontro, carcaça física e espiritual da mulher que fui.
Perdoa-me se te for possível. Sei que meus atos foram errôneos, mas omitir de ti foi meu maior erro.
Chega de explicar o que talvez tu aches, não tem plausível explicação.
Clamo-te, prossegue, não queima ou rasga esta e não te desfaz do conteúdo do pacote antes de tudo averiguar, por favor. Só fará sentido no final, é quase como um jogo, e a tua compreensão e a medida do teu ódio ou desprezo por mim se concluirão quando tudo averiguares detidamente.
Peço-te a chance de que pelo menos partilhes comigo este que foi até hoje o meu maior e mais doloroso segredo.
Belém, em 08 de novembro de 2010.
Rúbia
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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Inconfessável Segredo
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