Arraial do Tijuco, 25 de fevereiro de 1756.
Minha amada irmã Sebastiana,
Como tem passado estes dias? Vou bem, com a graça do bom Deus. Apenas tenho sentido saudades de vosmecê e de nossa casa, de mamãe, de nossos irmãozinhos. Mas não posso queixar-me da vida de casada. Antes de meu casamento, mamãe me falou das responsabilidades de esposa, pois nós, mulheres, temos a obrigação de dar muitos filhos a nossos maridos, mas não me explicou que era tão difícil e dolorido. José tem sido paciente comigo, o que facilita bastante as coisas. Afora essas vicissitudes, estou muito ditosa, pois é muito bom ser senhora da casa, dar ordens aos escravos e muito diferente também, já que mamãe sempre cuidou de tudo em casa e agora eu tenho que tomar certas decisões. Com o tempo vou aprendendo a ser como ela.
Papai esteve nos visitando anteontem e contou-nos que está quase acertando seu casamento. O único problema, como vosmecê já sabe, é o valor do dote. Espero, minha boa irmã, que seu futuro noivo seja tão bom para vosmecê como José é para mim. Peço desculpas, Bastiana, mas penso que este noivo que papai escolheu para vosmecê é um tanto morgadinho, não?
Depois de tanta agonia, sem saber se meu casamento seria cancelado ou não, estou desfrutando de uma paz serena. Marvina, a escrava que papai me deu de aniversário, tem sido uma boa companhia e é muito prestativa. Tenho também outras boas escravas, uma delas cozinha muito bem, a Querência. Estas escravas foram importantes para colocar ordem em todo o meu enxoval e nas minhas porcelanas quando aqui cheguei.
Apesar de toda essa paz, ainda estou um pouco atormentada com a implicância de mamãe para com minha sogra. É uma senhora tão airosa, tão delicada e amaviosa, que é impossível mamãe não reconhecer nela a dama que é. Procurei Padre Eurico e perguntei-lhe se sabia algo a respeito desta ojeriza de mamãe com Dona Pilar, já que prima Quitéria nada conseguiu saber pela Madrinha Francisca. Padre Eurico deu-me uma penitência enorme por eu ter perguntado isso e eu nem estava em confissão! Ele disse-me que pequei porque quis saber de um segredo de confissão e mandou-me rezar ajoelhada em frente ao Santíssimo duzentos Padre-Nossos e duzentas Ave-Marias durante um mês, o que me faz ficar na igreja um bom par de horas depois da missa!
Dona Pilar tem sido muito boa para mim. Vem visitar-me quase todos os dias e ontem mesmo disse-me que não tem filhas e que está se afeiçoando muito a mim, que sou sua primeira nora. Não tenho coragem de perguntar-lhe nada sobre o assunto, porque talvez Dona Pilar não saiba da má-vontade de mamãe e não quero desentendimentos com a mãe de meu marido.
Espero vosmecê e mamãe para um chá nas encantadoras chávenas que Dona Pilar trouxe da Europa para mim. Venham conhecer minha casa! José teve a ideia de oferecer um almoço para nossas famílias e vamos convidar também o Contratador João Fernandes e Dona Chica da Silva que, aliás, já veio me visitar. Dona Chica parece que tem uma corte com ela, pois só anda acompanhada de muitos escravos! Todos bem vestidos – Dona Chica disse-me que faz muita questão disso. Ela presenteou-me com uma toalha de rica renda quando esteve aqui. Fiquei admirada e muito feliz por ter a amizade de tão importante dama de nossa sociedade, a Dona Chica da Silva. Que mamãe não saiba disso!
Minha boa irmã, vou retribuir carinhosamente todo seu esforço em me ajudar a bordar meu vestido de noiva e meu enxoval. Pretendo visitar-lhe pelo menos dois dias no mês para ajudar-lhe com seu vestido. Quero ver vosmecê entrar na igreja bem formosa com seu lindo vestido e a mantilha de mamãe, que apesar de antiga é muito bonita, com um rico bordado!
Fique com Deus, Nosso Pai, minha irmã. Dê lembranças à mamãe e diga-lhe que estou à espera de vosmecês aqui em minha nova casa.
Com afeto,
Helena.
Leia também:
Feliz 1.756!
(Imagem: http://pedroa-o.blogspot.com/2010/08/ame-as-palavras-como-amas-as-pessoas.html)
Minha amada irmã Sebastiana,
Como tem passado estes dias? Vou bem, com a graça do bom Deus. Apenas tenho sentido saudades de vosmecê e de nossa casa, de mamãe, de nossos irmãozinhos. Mas não posso queixar-me da vida de casada. Antes de meu casamento, mamãe me falou das responsabilidades de esposa, pois nós, mulheres, temos a obrigação de dar muitos filhos a nossos maridos, mas não me explicou que era tão difícil e dolorido. José tem sido paciente comigo, o que facilita bastante as coisas. Afora essas vicissitudes, estou muito ditosa, pois é muito bom ser senhora da casa, dar ordens aos escravos e muito diferente também, já que mamãe sempre cuidou de tudo em casa e agora eu tenho que tomar certas decisões. Com o tempo vou aprendendo a ser como ela.
Papai esteve nos visitando anteontem e contou-nos que está quase acertando seu casamento. O único problema, como vosmecê já sabe, é o valor do dote. Espero, minha boa irmã, que seu futuro noivo seja tão bom para vosmecê como José é para mim. Peço desculpas, Bastiana, mas penso que este noivo que papai escolheu para vosmecê é um tanto morgadinho, não?
Depois de tanta agonia, sem saber se meu casamento seria cancelado ou não, estou desfrutando de uma paz serena. Marvina, a escrava que papai me deu de aniversário, tem sido uma boa companhia e é muito prestativa. Tenho também outras boas escravas, uma delas cozinha muito bem, a Querência. Estas escravas foram importantes para colocar ordem em todo o meu enxoval e nas minhas porcelanas quando aqui cheguei.
Apesar de toda essa paz, ainda estou um pouco atormentada com a implicância de mamãe para com minha sogra. É uma senhora tão airosa, tão delicada e amaviosa, que é impossível mamãe não reconhecer nela a dama que é. Procurei Padre Eurico e perguntei-lhe se sabia algo a respeito desta ojeriza de mamãe com Dona Pilar, já que prima Quitéria nada conseguiu saber pela Madrinha Francisca. Padre Eurico deu-me uma penitência enorme por eu ter perguntado isso e eu nem estava em confissão! Ele disse-me que pequei porque quis saber de um segredo de confissão e mandou-me rezar ajoelhada em frente ao Santíssimo duzentos Padre-Nossos e duzentas Ave-Marias durante um mês, o que me faz ficar na igreja um bom par de horas depois da missa!
Dona Pilar tem sido muito boa para mim. Vem visitar-me quase todos os dias e ontem mesmo disse-me que não tem filhas e que está se afeiçoando muito a mim, que sou sua primeira nora. Não tenho coragem de perguntar-lhe nada sobre o assunto, porque talvez Dona Pilar não saiba da má-vontade de mamãe e não quero desentendimentos com a mãe de meu marido.
Espero vosmecê e mamãe para um chá nas encantadoras chávenas que Dona Pilar trouxe da Europa para mim. Venham conhecer minha casa! José teve a ideia de oferecer um almoço para nossas famílias e vamos convidar também o Contratador João Fernandes e Dona Chica da Silva que, aliás, já veio me visitar. Dona Chica parece que tem uma corte com ela, pois só anda acompanhada de muitos escravos! Todos bem vestidos – Dona Chica disse-me que faz muita questão disso. Ela presenteou-me com uma toalha de rica renda quando esteve aqui. Fiquei admirada e muito feliz por ter a amizade de tão importante dama de nossa sociedade, a Dona Chica da Silva. Que mamãe não saiba disso!
Minha boa irmã, vou retribuir carinhosamente todo seu esforço em me ajudar a bordar meu vestido de noiva e meu enxoval. Pretendo visitar-lhe pelo menos dois dias no mês para ajudar-lhe com seu vestido. Quero ver vosmecê entrar na igreja bem formosa com seu lindo vestido e a mantilha de mamãe, que apesar de antiga é muito bonita, com um rico bordado!
Fique com Deus, Nosso Pai, minha irmã. Dê lembranças à mamãe e diga-lhe que estou à espera de vosmecês aqui em minha nova casa.
Com afeto,
Helena.
Leia também:
Feliz 1.756!
(Imagem: http://pedroa-o.blogspot.com/2010/08/ame-as-palavras-como-amas-as-pessoas.html)