Carta Para Meu Amigo

Lugarzinho de São Nunca, 23 de outubro de 2010.

Tudo bom Ciro? Hoje, através desta missiva quero te relatar algo que há muito está em meu coração. Gostaria que entendesse que não é crítica, muito menos mágoa. Não deixe, por favor, que esses sentimentos tomem conta de seu coração. Já é madrugada e parece que a minha inspiração funciona somente nessas horas. Por isso gostaria que lesse com a mente de adulto e sentisse como o coração cândido de uma criança.

As coisas não andam fáceis para mim aqui neste ermo. Ultimamente tenho estado solitário. Depois que me mudei para cá não consegui mais me desabafar com ninguém a não ser para meu amor, mas ele foi e voou como as folhas no outono. Depois que me mudei para cá comecei a realmente a ver quem são meus amigos. Aí na cidade grande eu tinha uma porção deles. Eles comiam batatinhas e tomavam Fanta Uva comigo; eles empinavam pipas comigo, galanteavam comigo, trabalhavam comigo, jogavam bolinhas de gude comigo e comiam a fruta da ameixeira que ficava em seu quintal, onde eu subia no pé para pegá-las e para distribuí-las a todos, lembra-se? Aquilo era tudo muito lindo e ledo e eu nunca pensei que um dia tudo poderia se acabar.

Depois eu me mudei para cá e muitos de meus amigos não vieram me visitar. Desempregado, eu juntava os trocadinhos na semana, andava uma hora para pegar um ônibus em outra cidade, porque aquele ônibus parava dentro do Terminal do Parque Dom Pedro e do Terminal tinha um ônibus – de graça – que ia direto para aí. Hoje o Terminal não é mais desse jeito. Chagando aí eu ia à casa de todos eles. Não me esquecia de nenhum. Isso me cansava muito, porque você sabe que cidade grande é grande e camelar o dia todo cansa mesmo.

Mas, os meses e os anos foram se passando e eu comecei a perceber que esse tipo de sacrifício era feito somente por mim. Meus amigos não vinham em minha casa. Eles não disponibilizavam um pouco de seu tempo para vir me visitar. Alguns tinham automóvel. Esse tipo de atitude foi me desanimando. Comecei a perceber que eu não era tão importante. Comecei a perceber que o significado da minha presença era tão importante quanto os pernilongos que zumbem à noite.

Em meu casamento poucos deles vieram. Você não apareceu. Do meu aniversário poucos se lembraram. E em meus aniversários melancólicos eu penso no melhor aniversário da minha vida, onde todos eles estavam presentes, inclusive você, porque olho para a nossa fotografia embalsamada e me contento em te ver ali: nós abraçados com sorrisos perenes no rosto juvenil.

Hoje minha vida deu uma guinada, mas uma guinada para o lado contrário e você não está aqui. Hoje eu não tenho ninguém para me desabafar, porque não consigo. Se os meus amigos de infância e meus amigos de sangue me deixaram para trás porque têm suas respectíveis vidas, estão felizes e seus umbigos estão confortáveis por que acreditaria no amor de uma pessoa que mal conheço? Isso não faz lógica ou talvez eu tenha me tornado num cético.

De todos eles somente um que provou para mim um sentimento puro de amizade, porque não basta amar. Precisamos provar. Este alguém se chama Anselmo. Ele não tem o meu sangue, mas eu considero como se fosse um irmão. Ele não é o tipo de pessoa aberta e intelectual como você, por isso não conto meus problemas para ele, mas isso não o torna menos sensível, pois sempre nos abraçamos e ele faz questão de demonstrar o sentimento dele por mim.

Um dia minha casa estava em festa, mas meu coração estava de luto. Resolvi demonstrar minha plangência para ele e escrevi uma crônica, para que entendesse da melhor forma possível. Aquilo era o meu desabafo. Foi a melhor maneira que consegui achar para desabafar – e se fosse contigo teria falado sem hesitar. Ele se compadeceu, abraçou-me e eu vi o amor e preocupação dele por mim. Você não estava na festa. Era o aniversário do meu filho, seu primo de segundo grau que eu acho que você nunca nem o viu, porque o tempo come nossas memórias.

Quando o seu pai feneceu eu não consegui ir ao velório. Eu o amava muito também. O seu amor com certeza era muito maior. Só que eu não consegui ir ao velório e nem ao enterro. Lá estava o meu sangue descendo à sepultura. Mas era meu amigo que estava padecendo. Era você que estava precisando de mim, porem eu me senti totalmente impotente perante a Morte. Não saberia o que dizer. Não saberia como reagir... Aqui deste ermo eu pranteei por sua desgraça. Espero que perdoe a minha covardia algum dia. Sim! Porque fui covarde! Naquele instante eu pensava em você e chorava contigo. Sinto-me culpado, porque não interessava o quanto estava sendo medroso, “porque para os amigos já tão sem assuntos basta a companhia de estarem bem juntos...” e não estive fisicamente lá.

Quantas vezes eu te chamei aqui e você não veio? Perdi as contas. Logo nós que nos víamos praticamente todos os dias. Só que eu sou complacente, tenho paciência e sou compreensivo. Sei que você tem a sua vida, que a sua família vem em primeiro plano, não te julgo e não tenho mágoa nenhuma de você. Por favor, acredite nisto.

Se eu for pensar em todos esses anos verei que você não me ofereceu nada. Mas isso não importa para mim, cara; porque eu te amo. Não importa se a distância nos fez perder o contato; se nossas vidas tomaram rumos diferentes; se você não veio em meu casamento ou a festa de meu filho; não me importo se em meus momentos de dor você não esteve ao meu lado... Tudo isso não importa, porque não espero nada de você. Não espero que você venha me abraçar ou que venha me dizer palavras bonitas ou mesmo com um maço de notas azuis, já que sabes de minha situação financeira. Não. Não espero nada disso.

Esta carta só expõe e elucida o meu sentimento. Não importa quanto tempo se passou. Eu ainda te amo. E este amor continua sendo puro assim como nós éramos quando comíamos ameixa no quintal da sua casa.

Durma em paz meu amigo, porque agora posso dormir tranqüilo também.

2h20

Cairo Pereira
Enviado por Cairo Pereira em 23/10/2010
Reeditado em 07/11/2010
Código do texto: T2573209
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