MEMORIALISMO PARA CRUZ ALTA

Querida amiga Gaya! Aliás, gostei do pseudônimo virtual, que é mais bonito do que Rozelia, o teu nome verdadeiro. Será o teu cognome literário? Parece-me que tem ritmo e personalidade, e sugere a alcunha ecológica do Planeta. Tudo muito na moda.

Estava com muitas saudades de ti. Deves saber o quanto te acompanho e te admiro. Tudo legal contigo? Bem com a família?

Não tenho comigo o material sobre a Feira do Livro de 1980, quando eu tive a alegria e a honra de abrir o evento. Com o divórcio, em 1991, os meus arquivos ficaram na outra casa. Talvez os tenha em mãos em breve, creio, quando a minha ex-mulher me entregar o prédio, definitivamente. Mas tenho lembranças que podem ajudar. Vamos a elas.

No inverno de 1980 fiz o lançamento em Cruz Alta da 2ª edição de meu primeiro livro de poemas, cujo título é FORÇA CENTRÍFUGA, e que fora publicado em dezembro do ano anterior. O ato se deu numa loja de câmbio e crédito dirigida pelo Sr. Ricachinewski, parece-me.

Meu padrinho foi o Capitão Sérgio Teixeira, então comandante da Companhia da Brigada Militar local, cuja esposa se chamava Ledi. O colega brigadiano havia construído o prédio da BM e tinha intenso prestígio na comunidade.

A presença ilustre daquele dia foi a do General de Brigada Jonas de Moraes Correia Neto, comandante da AD-3 local. Conversamos detalhadamente sobre literatura e política, já que eu divergia do pensamento usual e massivo nas Polícias Militares, o de apoio à autodenominada Revolução de 1964.

Eu estava no posto de Capitão, promovido em 1974. Já me definira pelo pensamento libertário que me levaria à prisão política e posterior enquadramento na famigerada Lei de Segurança Nacional - LSN, em julho de 1981, ano seguinte ao do lançamento do livro naquela cidade. Mas tudo correu muito civilizado durante o evento de lançamento e autógrafos da obra. Temia vir a ser preso. Havia rumores no ar ...

O General Jonas era da casa e cozinha do Coronel Jarbas Passarinho e do General Golbery, importantes figuras do cenário político ditatorial, e afinado com o pensamento político dominante, que era o produzido e divulgado pela Escola Superior de Guerra – ESG, através da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, a ADESG.

Aprendi muitas coisas com o ilustre oficial general, e, mesmo depois de divergir publicamente, em 1981, ao fazer discurso contra a ditadura em apoio ao pensamento democrático que deveria culminar, anos mais tarde, na abertura política, acompanhei a sua carreira como Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas - EMFA. Homem culto e sóbrio, admirava, estudava e praticava a dialética hegeliana. Entendia da ideologia da segurança nacional, cujo principal ideólogo e estrategista era o General Golbery do Couto e Silva, prestigiado Ministro da Casa Civil da Presidência.

Helena Pinto Basílio, mulher madura, bonita e interessante, fazia a crônica social no Jornal de Cruz Alta – parece-me ser este o nome do órgão de comunicação – e tinha participação muito ativa na vida da comunidade. Integrava a diretoria do Cenáculo de Letras e Artes, que se organizava na comunidade, assestando suas baterias na questão cultural. Sempre me prestigiou e chegou a organizar evento em que eu era o palestrante, no Cenáculo, quando de um evento de premiação em certame literário.

Helena Basílio era amiga de Emílio Maya Pinent, jornalista, brizolista ferrenho, recentemente falecido em Porto Alegre. Também do Tenente La Hire, que comandava os bombeiros militares de Cruz Alta. Gostava muito do pessoal que fazia as tarefas de proteção e de defesa civil da população cruzaltense. Promovia-os na imprensa local.

Também atraíra ao estrito e recente círculo literário a jornalista Jane Terezinha de Souza, que proviera de Porto Alegre, e esteve pouco tempo num jornal local. Não lembro se era o “Cruz Alta Urgente”, ou o “Expresso de Cruz Alta”, que lembra o jornal do veterano Dornelles, de Santa Maria, que também já passou desta pra melhor. Jane Souza morreu dois anos depois em acidente automobilístico ocorrido na estrada que vai a Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Trabalhava num jornal de Bento, quando se foi pra outra margem da vida.

Quando veio a época da Feira do Livro, o prefeito Schmidt pediu ao jornalista Emílio Pinent que me convidasse para fazer a abertura do evento. Fiz discurso, tiramos fotos, e os jornais locais deram boa cobertura.

Mas o que é bom mesmo, que é ver a obra na rua, sendo lida, foi precário. Vendeu-se uma dezena de exemplares.

O Brasil deste ano da graça de 2006, século XXI, com população estimada em 186 milhões de pessoas, mudou quase nada neste um quarto de século transcorrido. Continua lendo muito pouco: menos de um livros por habitante/ ano, segundo órgãos bem informados, se bem que com estatísticas pouco confiáveis.

Mas há algum otimismo na imprensa rio-grandense. Um importante jornal gaúcho publicou, no início de setembro deste ano, que o brasileiro lê 1,8 livros/ano. Alvissareira boa nova! Resta ver a idoneidade da fonte.

Salta aos olhos do observador literário os índices de leitura em nosso Rio Grande de Deus, que tem quase o dobro da média nacional e que chega a sua 52ª Feira do Livro de Porto Alegre esperando vender, em 15 dias, perto dos 700 mil exemplares.

Mas é interessante saber que se procuram notícias sobre o livro e sua peregrinação nas estradas do Rio Grande.

Nomes de pessoas como o de Helena Pinto Basílio não podem ser esquecidos, em Cruz Alta, porque ela foi pioneira na alavancagem de esforços para produzir a incipiente Feira do Livro de 25 anos atrás. Emílio Maya Pinent também permanece vivo na memória de sua gente e na minha, o autor homenageado com a batuta da Feira de 1980.

Para um país que historicamente não tem memória, a Associação Literária “A Palavra do Século XXI”, sediada nessa Cruz Alta, cumpre a sua parte: resgata o depoimento dos ainda vivos.

Hosanas a homens e mulheres de Letras!

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/256626