O FAZER POÉTICO NO ESTUDANTE DE LETRAS

“Poetinha amado! Pena não nos termos encontrado desta vez, quando de tua passagem por aqui. Espero que não faltem oportunidades no futuro...

Quanto ao meu fazer poético, nada posso dizer. Tu com certeza é que vais poder avaliar o que me tem acontecido, já que eu não compreendo.

Depois de conhecer os teóricos da literatura e da poesia traduzida, como qualquer estudante de letras faz, fiquei amargurada e com medo de escrever. Não sei o que está acontecendo! Escrevo crônicas ultimamente...

O que tu pensas sobre isso? Será que não vou mais voltar a escrever poesia ou é só um período diferente da minha criação?

Estas são perguntas que faço a ti, mas a mim também todos os dias.

Grande abraço.

Tânia Gauto, de Campo Grande/MS”.

– pelo Orkut, em 10/10/2010.

Amada, fica fria, geladinha! É só uma questão de tempo, de reflexão sobre o que está sendo administrado no teu curso.

Tenho a impressão de que todo o jovem acadêmico de Letras acaba se inibindo de escrever, principalmente o poeta, que é, normalmente, um intuitivo que não conhece nenhuma vertente que obstaculize sua criação.

A formação acadêmica vai se refletir na criação presente e futura. A convivência com alguns gurus da literatura nacional e estrangeira, em prosa e verso, na visão didática, magisterial, vai melhorar a lucidez da recepção e a da criação, como um todo expiracional.

Poesia, em regra, se compõe de dois momentos distintos: a INSPIRAÇÃO e a TRANSPIRAÇÃO. No primeiro, prepondera a emoção; no segundo, sobrepõe-se a intelecção.

No caso do estudioso de teoria da literatura, o segundo momento ganha em substrato, após a introjeção intelectual dos conhecimentos hauridos. Aguarda que logo terás novidades de tua lavratura, em prosa e verso.

Também é natural que escrevas mais amiúde na modalidade CRÔNICA, quando do retorno ao processo criativo, porque pouco se aborda a arte poética, em profundidade, nos Cursos de Letras.

A crônica é, na verdade, um comentário que se faz sobre alguma situação ou fato ocorrido em nossa vida, ao crivo de nosso sentir. Aliás, a modalidade literária que hoje denominamos “crônica”, se chamava COMENTÁRIOS, até o final do séc. XIX.

Também porque a crônica relata os fatos tidos e havidos, com pronta imediatidade, em linguagem rasa, muito pouco codificada, bem diferente da Poesia, cuja apresentação formal é codificada, criptografada, sem ser enigmática, utilizando-se o sentido conotativo.

A rigor, a crônica é de mais fácil elaboração, ressaltando o estilo cursivo em que é lavrada. A inquietação criativa derrama-se no córrego dos novos conhecimentos, questionando-os. Esse riacho de novidades é muito rico, angustiante, por vezes.

Espera um pouquinho: a natureza não dá saltos! Aposto em ti, agora e sempre!

Em breve os conhecimentos irão se sedimentar como teses, e, em breve, por estudos e inquietações sobre o novo, como é da natureza dos criadores compulsivos, logo se manifestarão em ti antíteses sobre os temas e formas poéticas lidas, consumidas, acumuladas...

E chegarás à tua síntese temática e formal em algum momento, normalmente ainda durante o curso de graduação.

Surgirá, então, no teu fazer poético, algumas novas vertentes para tuas inquietações e gerarás, no teu leitor, as questões que a verdadeira Poesia usualmente aflora nos seus receptores...

Fico com o mestre Mario Quintana: não somos nós que escolhemos a Poesia, é ela quem nos escolhe...

– Do livro DICAS SOBRE POESIA, 2009/2010.