Da forma mais sutil

A casa se povoa de um cheiro de café recém-passado. Amargo, como estão agora as minhas mãos, os meus lábios na sua ausência.

Pelo corredor ecoa o som dos passos que por ele já não caminham. Dentro do meu peito permanece aquela pequena ansiedade que precedia sua chegada. Você ficava parada, me olhando da porta, sorrindo com graça eterna, deixando seus cabelos exalarem o perfume de todas as primaveras.

O toque da xícara quente me lembra a temperatura que tinha a sua pele pela manhã, e a textura da base do seu pescoço, sabor baunilha. Ah, que saudade de como você espreguiçava e deixava que um dos seus seios se mostrasse pela manhã e convidasse por meus lábios.

Mas de tudo, o que mais de dor permaneceu em mim foi a sua ausência de dor. A certeza de seus olhos, inchados, porém já secos. A frieza do seu adeus.

De todos os dias ao meu lado, aquele foi o momento em que a senti mais forte e decidida. Mais mulher. E eu a quis desesperadamente. Quis ajoelhar-me aos seus pés, implorar que ficasse, que tentássemos de novo. Mas sabia que as possibilidades eram poucas, tanto quanto foram os pequenos erros, mas que se acumularam...

Aquela taça quebrada. O aniversário esquecido. Ter ligado tarde demais. Não notar o novo corte de cabelo. Não saber consertar a sua chapinha. Dizer que preferia seu cabelo molhado mesmo. Estar cansado demais para o sexo. Não perceber que você escondia o travesseiro pelo dia. Não pedir para pensar melhor...

Quando amamos muito, sabemos o dia do fim.

Devagar, levanto o retrato de seu rosto, há muito esquecido no chão do escritório, pela hora do ódio. O último sorriso que você me mostrou está ali, preso para sempre. Está morto. Ainda é torto, tímido, e seus olhos ainda brilham. Mas não é mais o primeiro sorriso que lhe arrancava todos os dias, sincero, gargalhante. Apenas uma moldura dos lindos cantos de sua boca, repuxados para cima, mostrando um pouco os dentes – que guardam aquela falhinha, subindo um por cima do outro – que eu tanto adoro.

O celular guarda ainda a sua muda resposta. “Se ainda me ama, por favor, me ligue. Eu busco você. Aqui é o seu lugar”. Você não ligou.

Porque quem ama muito, não nega o fim por tempo demais.

A ausência da sua dor me pedindo para que eu ficasse bem. Que me cuidasse. Não bebesse apenas café, pois iria irritar a minha gastrite. Comesse mais do que apenas batatas fritas no café da manhã, almoço e macarrão com alho na janta. Até logo.

E eu não respondi. Não caminhei atrás de seus pés. Não ajudei com as malas. Não desviei o olhar do vazio até escutar a porta da frente se fechar.

Você podia ter sido mais cruel. Podia ter gritado, lançado coisas em mim, arranhado meu rosto. Passional. Mas até na despedida, sua doçura era de uma delicadeza quase palpável no céu da boca.

Esqueci muitas vezes de dizer que lhe amava, mas isso provavelmente não a manteria perto de mim. Seu vazio agora é uma presença constante. E eu escuto suas palavras... Finalmente as escuto.

A forma mais sutil de se despedir de quem amamos é dizer até logo.

E nunca mais voltar.

Wisdom
Enviado por Wisdom em 06/10/2010
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