Carta Para Meu Amor
Oi meu amor. Tudo bom? Acredito que no momento tu estejas dormindo aquele soninho gostoso que dormias quando estavas ao meu lado, na mesma cama, desfrutando do ronco cândido de nosso filho adorado. Talvez estejas sentindo a falta dele ao teu lado hoje, enquanto ele assiste Nárnia comigo neste exato momento, às 00h22. Sei que não poderia deixá-lo acordado até esta hora, mas o momento pede. Ou, quem sabe sentindo a dor da minha ausência como sinto da tua... Pensamentos... pensamentos meus.
Hoje passeamos pela cidade. Sorrimos juntos. Ele me perguntou tantas coisas e eu tinha que ter respostas para todas elas. Um pai precisa ser bem informado, sabia? Ele reconheceu vários lugares, onde passou algum tempo atrás, quando nós dois ainda morávamos juntos. Parecia que não fazia muito tempo, pelo menos para ele, que esteve naqueles lugares. Sempre muito empolgado. Tu conheces o nosso filho. Até uma moça que estava à nossa frente, subindo as escadas rolantes do Metrô Vila Mariana para o Terminal de Ônibus, sorriu quando ele me disse que preferia sair comigo que contigo.
Sorri por dentro. Senti-me feliz com aquilo. “Alguém ainda me ama e gosta de minha companhia.” É que ando meio depressivo e me sentindo desdenhado. Parece ser irônico, mas foi como me senti. Senti-me amado e ao mesmo tempo lisonjeado, “porque eu sou legal.” Como diriam muitos pais: sou o pai mais feliz do mundo.
Mas, agora neste momento solitário entre a folha branca, meus pensamentos e tu, analiso as palavras do Esperidião, um velho amigo do meu pai, quando me disse ainda no Terminal de Ônibus:
- Se casar pela segunda vez não é a mesma coisa. Vai por mim. Tenho 52 anos e sei do que estou falando. Pergunte para o seu primo para ver o que ele lhe diz. Tente voltar.
Ao observar pessoas que passaram por situações parecidas, que deram a volta por cima e que estão felizes hoje, porque se arrependeram e perdoaram, não há como não ter esperança, não há como não ter fé “que um futuro bom pode ser verdade”, como diz o Pregador Luo.
Então, comecei a pensar em nossos erros e em quantas vezes pensamos estar justos, fazendo a coisa certa conosco. Fiquei triste, porque esse tempo em que estamos separados me fez pensar e analisar o quanto fomos tolos, insanos, desalmados demais e não amamos como verdadeiramente deveríamos amar “na saúde e na doença, na alegria e na tristeza...” Pensamos em nosso orgulho, em nosso “eu”, em nosso querer particular, para a nossa própria felicidade e nos esquecemos de sermos “nós num todo, sendo um”.
“O nós” é muito para os seres humanos. Porque os seremos humanos gostam de favores e misericórdias de todos sem mesmo saber do significado da palavra (favor não merecido). Isso é muito mesquinho.
Mas, há muito eu não quero ser assim. Há muito quero ser um homem diferente. Reconheço que preciso de ajuda, mas não encontro ou não sei onde ficam as pessoas certas que podem me ajudar. O peso dividido é mais leve, pense nisto. Tenho certeza que eu não seria mesquinho, porque não pensaria em teus erros, apontando e te acusando, pois também possuo um umbigo. Julgar-se a si mesmo é muito mais difícil. Eu quero me julgar para não ter ninguém que me julgue. Quero ser justo e não pense que é fácil, mas meu espírito (consciência) ainda não morreu, pelo contrário ressurgiu dentre os mortos, para mudar meu caráter. E tudo isso me fez pensar em perdão e arrependimento.
O arrependimento é algo que vem de dentro; algo que faz a mudança interior da pessoa arrependida independente de ser ou não perdoada pela pessoa a quem feriu. O perdão é algo supremo, porque quem perdoa tem um coração bom e forte para não ficar com mágoa, assim como Aquele que tem o poder de perdoar pecados. Mas quem perdoa sempre é chamado de tolo e fraco.
Eu sou tolo e fraco, admito. Admito aos seres fortes que não perdoam e não se arrependem. Porque quero ter a sabedoria e não o rancor e a mágoa como trunfo no coração para cometer a injustiça como a vingança, numa astuta cilada, para fazer parte da multidão de seres humanos que precisam de um médico especial que cuida do coração, mas que não é o cardiologista.
Assim viverei feliz, porque não terei mágoa ou rancor independente ou não de teu perdão. Claro que gostaria de recebê-lo, faria muito bem, mas preferia sentir teu arrependimento, pois assim conseguiria perdoá-la com mais facilidade e todo rancor não me faria mal futuramente. Afinal, nem Jesus perdoou o bandido da cruz que não se arrependeu.
Hoje o que eu posso dizer-te é que te amo muito mais do que imaginei e que meu amor está acima das mágoas pretéritas. Não quero dar ouvidos às pessoas abortivas (pessoas que abortam os sonhos antes de eles nascerem) ou às pessoas coveiras (pessoas céticas que não vêem além das possibilidades). Ainda quero crer que “o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1 Coríntios 13.7).
Agora vou dormir... pois tu já sabes o que penso.
Beijos no coração. Te amo.