Eat Like a Pig

Hoje, mais uma vez, uma frase dita por um amigo parece fazer sentido. Às vezes a impressão que tenho é de que você de fato coou (?) o café na calcinha e me deu pra beber. Como de hábito, coloquei o relógio pra despertar naquele horário que eu nunca acordo. E quando ele despertou, foi no momento crucial de um sonho. Não me lembro que momento que era esse, só me lembro de que você estava nele. Basta isso pra fazer qualquer momento ser crucial, seja na realidade maldita ou no teatro onírico do sono. Como de hábito, também, ativei aquela tal soneca do celular e voltei a cabeça pro travesseiro disposto a retomar o sonho de onde ele havia parado. Eu sei que é praticamente impossível retomar um sonho de onde ele foi interrompido, mas me senti bem ao me enganar fazendo isso. Eu me sinto bem me enganando quando essa enganação te traz para perto de mim, mesmo que você aparentemente esteja mais longe daqui. Daqui, do meu lado. Então aconteceu de marcarmos um encontro. Eu te esperava na catraca do metrô e escrevia freneticamente no meu bloco de notas de papel reciclado. E sempre que aparecia uma manada de gente eu te buscava em vários corpos. Nunca era você, então eu voltava a escrever. Escrevia uma história clichê onde duas pessoas se conhecem e o acaso surge e elas se separam. E levantava a vista sempre que um novo trem chegava. E de repente você apareceu e eu não te reconheci de imediato. Franzi o cenho, cerrei os olhos, olhava, mas não era você, porém, foi a única pessoa que pareceu perceber que eu não fazia parte da paisagem da estação; eu existia. E você vem, me abraça, eu te olho, não te acho nada demais e nós saímos andando no início da madrugada fria, você fumando, eu tímido, olhando pra baixo, chutando pedras, aquele seu perfume maravilhoso que impregna e paramos naquele bar de esquina com o letreiro Eat Like a Pig em vermelho luminoso. E foi naquela mesa redonda de dois lugares que seu rosto começou a ganhar um brilho diferente, a ganhar uma aura celestial, sua voz começou a soar como música para os meus ouvidos, suas palavras vindo como doces torrões de açúcar amainando toda e qualquer amargura da minha vida. Conversamos através do meu bloco de notas. Códigos, rostinhos, homens palito, sua letra é horrível, suas mãos são frias, seu sorriso ilumina toda a cidade caótica, cura pedra nos rins, apaga incêndios, incendeia as fibras do meu corpo e tudo é mágica, tudo é novo, tudo tem cor, o cinza inexiste, o cinza é plano de fundo, você é a aquarela louca que intercalava os manuscritos das Cartas a Théo e eu sou todo o silêncio que fez com que eu deixasse você escapar por entre meus dedos como fina areia do deserto. Então o celular desperta novamente. Eu coloco as pernas pra fora da cama, lavo o rosto, tomo café, banho, coloco a primeira roupa que surge e sigo a minha vida, me perguntando até quando e porque isso. Porque cultuar alguém que ficou tão pouquíssimo tempo na minha vida, cultuar alguém que simplesmente desapareceu da minha vida, cultuar alguém que nem sequer lembra ou sabe que eu existo. Parabéns, você é a maior incógnita de alguém que todos juram saber muitos mistérios. E é nisso que a minha decadência espiritual repousa sua inquietude.

Maglore - Lápis de Carvão

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Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 23/09/2010
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