Carta ao incômodo.
Se não te ouço é porque te levaram de mim. É porque você se achou no direito de ir. É porque não era a hora, mas o desassossego te disse que estava atrasado. E me deixou aqui.
Mas não pode ser egoísmo, pois que rimos juntos de suas peripécias. Sempre foi criança de alma.
Sua distância é além de física. Apelo: Não me apaguem as memórias poucas que ficaram. Pois que elas me parecem TV com mau sinal. Minhas memórias estão falhando.
Não me tire a ponta cética e agnóstica da vida além desta. Não me diga, por favor, o que ouço de mim a todo tempo. Ora, que me cansa essa verdade inesgotável de ser tudo perfeito e finito.
É uma natureza tão dúplice. É uma dor que não sei adjetivar, mas que li, lá no começo que chamara de clinicar.
A angústia é que me mata. O silêncio é de eco do meu grito.
Fico parada no tempo a pensar na janela que te levou. Que te deu passaporte de ida, mas não permitiu que deixasse um bilhete. O bilhete era só para dizer adeus.
Preciso cuidar da cabeça, pois tem corte que não sara. Tem tombo que dói a vida toda, mas tem queda que é uma só. E leva a vida.
Corre! Corre para trás e me dá de volta a chance de te fixar no solo aqui e dizer que vai ficar tudo bem.
Agora dói, mas é dor que a gente suporta. E se não ficar tudo bem....[eu não sei]
Da pele branca, agora só me lembro do sangue.
Tão machucado o corpo. Que dói. Dói por tudo, porque a gente tem mesmo essa mania de sentir dor, não tem?
Eu precisava tanto ter cuidado, ter estado. Epitáfio maldito!
O que diz? Não consigo imaginar os dizeres de uma vida, numa pedra. Pedra fria. Mão gelada, que se azulava. Pele branca.
Vai ficar tudo bem. Que a dor agora é só minha. Dos que ficam.
Não deu tempo de mais um mimo, nem do bilhete para me acalmar.
Seque seus olhos.
Agora não dá mais.
Oração é laço do "se houver".
O que nós precisávamos era ter feito um acordo com Deus, para não machucar, nem doer.
Você não quis me machucar, quis?
Se eu fechar os olhos, posso aceitar a mentira que vivo, em fingir que nada disso acontece e que eu posso brincar de "Kronos".
Não dava para ser feliz. Não com dores. Ainda mais essas dores do tempo.
Tempo que não brinca, que maltrata, perfeição da prisão que a natureza me escravizou.
E se eu gritar, bem alto, para sufocar choro, para assustar as memórias....?
...
Mas se eu correr à janela, chegarei mais rápido deste lado que não sinto?
[DDN]