EXCELENTÍSSIMA FEIOSA


Para me expressar com mais clareza, e dizer tudo o que eu penso sobre a tua digníssima pessoa, devo recorrer aos recursos da minha prosa – que é muito mais audaciosa e feroz nos seus propósitos literários... Além do mais, devo dizer-lhe que ter criado alguns poemas de amor dedicados a você já está de bom tamanho, posto que não tenha o mérito de ser homenageada por um livro inteiro...
É bom que você saiba que sou um homem ético, honesto e sincero; e como artista revolucionário eu sou vanguardista, audacioso, extremamente talentoso, ainda que a tua ignorância possa te fazer pensar ao contrário, e sou uma pessoa acima de qualquer suspeita, portador de uma paranormalidade excepcional e de uma sensibilidade a flor da pele, que se decepciona a todo instante com os seres humanos rastejantes – com os quais sempre procuro me comunicar... Mas tenho tido ingentes decepções...
Conhecer-te melhor poderia ter sido interessante, pois sou um homem amigável, carinhoso e muito viril: não sou um homem difícil de lidar, quando a mulher que eu esteja interessado seja sensível e receptiva aos meus encantos – sei que sou um tipo interessante; mas me considero um homem feio, já que eu fui um jovem com um físico invejável e um rosto com os ares do John Travolta. Em verdade, a minha beleza sempre me proporcionou aventuras amorosas com mulheres bonitas e com mulheres feias: sabia respeitar as limitações e as dificuldades das feias e amá-las como se fossem belas... Por conta disto, sempre estive rodeado de mulheres interessantes e fui muito amado por todas; ainda que geralmente fosse eu a me entregar ao amor com mais paixão e expectativas existencialistas...
O meu grande amor era lindo, quase perfeito, de uma beleza excepcional e uma mediunidade aguçada. Ainda que fosse deslumbrante e extremamente inteligente, continha a humildade dos deuses e o olhar profundo das estrelas; mas não quero te dar explicações da intimidade de uma pessoa tão especial e tão amada por este impoluto artista das bases, pois você não saberia deixar de invejá-la pelos momentos maravilhosos que passamos juntos – numa Copacabana que nos foi uma verdadeira Lagoa Azul...
De todas as mulheres que eu tive, a mais feia foi a mais orgástica, tanto que o nosso abajur saía faísca (destas de uma eletricidade ofuscante) quando alcançávamos os nossos infinitos orgasmos... Fiquei junto dela quase dois anos, sempre fiel à nossa aventura: saímos de mãos dadas na rua, e os meus amigos me diziam que eu tinha muita coragem por desfilar com o meu patinho feio... Um dia, ela perdeu o respeito por mim: eu estava malhando na academia, e conversava com um parceiro marombeiro, quando, repentinamente, a louquinha entrou na academia e fez a maior cena de ciúmes, como se eu estivesse lhe traindo, conversando com um marmanjo... Foi à gota d’água! Acabei em definitivo o nosso romance...
As mulheres nunca me abandonaram por motivo algum; pois sempre acabei os meus relacionamentos nos momentos que eu achei oportuno: alguns duraram alguns dias; outros duraram algumas semanas; uns duraram alguns meses; sensatos, duraram quase dois anos; mas o grande amor durou quase oito anos... As mulheres nunca me abandonaram porque sempre fui um homem fiel, carinhoso e um garanhão irresistível... Sempre consegui amar as mulheres que eu me interessei; ainda que os meus relacionamentos tenham sido dinâmicos, reflexivos e fugazes em demasia... Mas me sinto realizado sexualmente com as minhas aventuras rápidas; pois sempre explorei o máximo da minha virilidade e dos meus momentos orgásticos...
Estou há quase uma década sem mulheres na minha vida por um motivo compreensível: cuido 24 horas por dia da minha adorável e temperamental mamãe, que já conta com 83 anos de vida muito bem contados... A minha mãe me absorve por inteiro, tanto que não disponho de tempo para me dedicar aos caprichos de uma aventura amorosa: não posso dividir o meu tempo com uma mulher, sem que eu tenha de abandonar o zelo e os cuidados de toda ordem dedicados à mulher que me gerou e me ajudou a construir a segurança do meu futuro promissor... Devo tudo à minha mãe...
Que graça você tem magricela? Que beleza ostenta em teu rosto disforme e desinteressante? Nada em você transpõe os limites da feiúra! E o que pensas em tua cabeça de vento? Deve pensar que é muito gostosa e muito bonita para tentar seduzir um artista polivalente, versátil e eclético – com vivência na “Escola da Vida” – que é o meu Rio de Janeiro do meu coração... Embonecando-se para vir trabalhar na casa da minha mãe e minha, como se eu fosse uma presa fácil – por estar sem mulher faz tempo... E que idiotismo cutucar a onça com vara curta, querendo impor regras antes mesmo das coisas acontecerem: com certeza quer dinheiro no banco e carro à disposição, para tirar a calcinha e abrir as pernas... E ainda explicou que aprendeu tudo em filmes pornô, sendo uma mulher eficiente e completa: sexo oral, sexo anal e vaginal – o vaginal por último porque é o mais desinteressante... Talvez o nosso relacionamento tivesse sido o maior sucesso; não fosse a distância intelectual e moral que nos separa por léguas em se tratando de discernimento...
Nunca fui tão ultrajado, violado e constrangido nos meus sentimentos mais íntimos: a tua falta de sensibilidade em conviver com um artista é tamanha, que me deixou completamente indisposto e enfurecido – tenho quatro livros de prosa e 32 livros de poesia, pois antes de ser um escritor; sou o poeta da loucura – e você diz: gostei mais dos teus textos em prosa, desfazendo da minha poesia... O que você entende de literatura criatura? O que você entende da poesia pós-modernista? Vai cuidar dos teus filhos e te acostuma com as grosserias do teu ex-marido, porque você tem o amor que merece... Não podemos enganar o destino...
Eu sou muito homem para você, em todos os sentidos, e o meu amor é das estrelas maiores, sublimado pelo privilégio que eu tive de vivenciar o enredo de um grande amor... E pensar que eu estive interessado em você, apesar da tua feiúra inquestionável, dedicando o meu tempo escasso no espaço complicado que estivemos juntos... Cheguei a te adorar e te fazer bela no meu olhar azul-esverdeado pungente, pois já estava te amando docemente e comovido com a doçura dos teus filhos: teria sido um paizão... E por falar em pai, lembrei-me de uma mulher que eu não prometi amá-la, e que a nossa relação só poderia ser sexual – mais nada... Vivemos alguns meses juntos no Rio de Janeiro, depois que eu me separei da minha esposa, e ela foi à única mulher que me abandonou, pois não podia ser amada por mim... Seis anos depois, um amigo nosso a viu junto de um menino de seis anos: era o meu xérox! Um filho meu que eu nunca vi e que já tem vinte e poucos anos: vingança de uma mulher ignorante, pois combinamos de não nos envolvermos emocionalmente – falei do meu amor por minha esposa... Ela aceitou fazer sexo apenas, já que morávamos juntos, e éramos homem e mulher: não cumpriu o rito e se apaixonou por mim, e fugiu com um filho meu na barriga... Espero que um dia eu possa conhecer o meu filho, e ajudá-lo no que for possível – desde que esteja ao meu alcance...
Não guardarei mágoas de ti mulher felina, pois o teu sonho de me amarrar a você abortou antes da hora... Foi melhor assim, pois as nossas vidas estão complicadas, e os nossos destinos são opostos: nunca daria certo o nosso amor, ainda que sexualmente pudéssemos nos realizar... Você não é uma mulher bonita e nem gostosa; mas eu gostei do teu jeito, da tua pele, do teu cheiro e da tua feminilidade: jamais pense na possibilidade que eu esteja depreciando a tua imagem feminina, no intuito de te diminuir ou te ofender, pois não é verdade – apenas fiquei furioso contigo pela desfeita que você fez comigo, e precisava dizer-te o que eu penso a respeito do universo que nos circunda... Seja feliz com os teus filhos e com quem você quiser; menos comigo que não estou preparado para ser interrompido nos meus sentimentos sensíveis, translúcidos e orgásticos...




FERNANDO PELLISOLI
Enviado por FERNANDO PELLISOLI em 17/09/2010
Reeditado em 18/09/2010
Código do texto: T2503473