SENTIMENTO SEM DEFINIÇÃO

(Já adianto que esse texto não se trata de uma carta. É uma interação entre eu e minha irmã Keila, por e-mail. Suponhamos que não existisse este recurso eletrônico. Se assim fosse poderia até ser uma carta. Então, não está tão fora assim. Mas vamos ao que interessa. Eu e Keila temos ficado muito tempo juntas estes dias por conta da mesma, profissional das letras, estar revisando minha dissertação. Como somos da área da educação e minha pesquisa problematiza questões relacionadas ao ensino, sempre discutimos as mazelas vividas em sala de aula.

Em dado momento, relato em meu trabalho, a maneira como a rede municipal de Santo André fez a inclusão dos alunos com deficiência em salas regulares. Keila vivenciou uma situação na escola em que trabalha e escreveu para mim).

Bell,

estou te repassando o email que a coordenadora do Ensino Fundamental me enviou sobre inclusão. Este assunto tem sido objeto de muitos questionamentos entre os professores. A inclusão por ser recente, deixa a todos em pavorosa. As angústias dos profissionais do município, que você tão bem relata em seu trabalho, estamos vivenciando hoje, no estado. Interessante, né?

Sábado, me deparei com uma cena tão ...(As reticências é porque ainda estou procurando uma palavra que defina o que vi).

Há um garoto que foi incluso no início deste ano, acho que na 5ª série. Costumo vê-lo às vezes, em ocasião festiva na escola.

Sua deficiência consiste em ter um corpo que corresponde a cabeça, membros superiores, tronco e só, acabou. Não tem quadril, é estranho...

Bem, voltemos à cena: Sua mãe conduzia-o por um carrinho de bebê que de longe seria o adequado para seu tamanho e deficiência, de perto estava muito sujo e rasgado. Percebi que ela estava irritada e falava asperamente. Curiosa como sou, procurei chegar mais perto para ouvir o conteúdo do monólogo (a criança não respondia, mas tinha uma comunicação corporal que me indicava o quanto estava incomodada - tronco como se 'retorcido', esforçando-se para manter o rosto voltado para a mãe).

"- Você pensa que não tenho o que fazer, né caraio? Já não basta todo o trabalho que você dá durante a semana e ainda tenho que vir de sábado na escola atrás de porra de olimpíada de matemática?!!!"

O sentimento que tive na hora ainda não nomeei. Não encontro a definição, passou a existir depois deste acontecimento...

Bj,

Keila

P.S. Será que esse aluno veio da 'sua' escola? Pelas descrições você saberia, né?

***

Keila,

pode ser que ele tenha sido aluno da escola sim. Teve uma professora que tempos atrás falava de um menino com estas características e que inclusive era indisciplinado. Interessante como a indisciplina dele causava estranhamento. Ele não tem os membros inferiores, mas todo o resto, sim. Pra fazer bagunça não precisa de perna... As vezes a gente acha que a pessoa com deficiência é só a deficiência. Esquece toda a sua potência e outros defeitos. É ser humano não é?

Então, não tenho certeza se é o mesmo, se você me falar o nome vou lembrar. Estou com as Atas dos Conselhos e lá têm os nomes dos alunos com deficiência. Quando eu tiver um tempo eu verifico isso.

O estado sempre empurrou estas crianças para o municipio. Só que chega uma hora que não tem jeito, o tempo do Fundamental II chega... O municipio sofreu muito no começo, porém, muito investimento foi feito, de modo que chegou uma hora em que era normal ter esses meninos na escola. Na minha avaliação a melhor prática da Secretaria de Educação foi o atendimento dessas crianças, bastante estrutura e acolhimento por parte dos alunos e de algumas professoras. Bom, eu relatei no trabalho que você leu. O estado precisa sacar de muito dinheiro e tolerância pra isso. Por mais que a coordenadora seja bem intencionada, só isso não basta. É preciso estrutura, aparelhos adequados e assessoria para o professor.

Belo relato, emocionante...

Bj da Bell

PS: Família e escola: olha o tamanho do desafio. Não basta abrir a porta para a criança. É preciso discutir com a família muitas coisas. No município havia um programa de formação aos pais desses alunos, semanal, quinzenal. As assessoras discutiam o que os meninos podiam fazer e muitas informações sobre a própria deficiência em si. Interessante. É o papel do estado né?

***

Depois enviei esse, complementando minha primeira resposta:

Keila,

creio que o maior desafio no atendimento de crianças com deficiência esteja na dificuldade de aceitar o diferente e o medo de não saber lidar com ele. Vencido estes, 60% do problema está resolvido. É que não é facil pro professor atender tanta demanda. Às vezes torna a prática pedagógica ingerenciável. Mas não é por causa dos meninos que tem alguma deficiência e sim porque a gente gruda de tal jeito numa única forma de ver e pensar que acaba não criando outras alternativas.

***

Interessante como a vida se encarrega de relacionar uma coisa a outra. Ou minha intuição é forte. Escrevi isso ontem sem me dar conta que estamos na SEMANA COMEMORATIVA PELO DIA NACIONAL DE LUTA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (15 A 21 DE SETEMBRO). Meu querido amigo Tasso se encarregou dessa informação chegar até mim. Ele me informou o atalho por meio da página de Lilian Maial que escreve uma crônica pra lá de interessante sobre o assunto. Obrigada Tasso!

Para acessar a crônica da Lilian:

http://www.lilianmaial.com/blog.php?idb=24477

Abraço

Isabel Cristina Rodrigues
Enviado por Isabel Cristina Rodrigues em 15/09/2010
Reeditado em 24/06/2011
Código do texto: T2498697