Ser ou Ter, o quê?

BsB, 26 setembro de 2006.

Olê, olê... Ó meu amigo, amanheceu, bom-dia! Como vai você? Quanto tempo! Lá fora a chuva cai mansamente, é quase um destempero da primavera que se aproxima e chora. O frio parece não ter fim, atravessa minha pele como uma lança despontada. Assim, e, desolado de saudade, vou lhe contar a conversa que travei com minha amada musa. Um diálogo franco e sincero, você vai ficar sabendo de tudo, nada em nós, é revestido de grandes segredos.

Em verdade eu e meu divino “eu” (minha cara metade), somos dois iguais que por vezes parecem diferentes. Na maioria das vezes sou obrigado a ficar calado, ouvindo atentamente, sua fala é sempre duríssima e correta. Não dá para ficar fazendo divagações mirabolantes, nem tirar conclusões precipitadas de suas pregações. Sempre me coloca diante dos trilhos, me faz ver que a linha mestra, não permite caminhos diversos.

O que mais parece nos diferir é a questão do Ser e Ter. Sobre este assunto, andamos conversando por horas e horas nesta última sexta-feira.

__ Veja minhas mãos.

Olhando para a esquerda, ela disse:

__ Aqui está o Ser.

Olhando para a direita, completou,

__ Aqui está o Ter.

Pedi que colocasse uma contra a outra. Constatei serem da mesma espessura, da mesma cor, da mesma magnitude. Nada parecia estranho ou discordante.

__ Perfeito! Perfeito! São iguais. Diagnostiquei rapidamente.

__ Este é o problema: nem os dedos das mãos são iguais ou parecidos. Cada um tem a sua função específica, cada um tem sua importância motriz. Assim, também, são o Ser e o Ter.

Sempre achei que minha amada fosse meio maluquinha. Diz coisas que me arremessam contra as fendas das paredes. Às vezes suas falas me fazem sentir como se os tijolos fizessem parte do meu corpo ou como se o reboco fosse a minha outra pele ou ainda, como se a derradeira demão de tinta fosse o suor derramado de minha alma.

Em certo momento ela confessou: “você me tem, me possui”.

Achei a afirmativa exagerada, mas vindo dela e como veio nada é demais ou impossível. É importante deixar claro que não fizemos compromissos expressos; não usamos o mesmo carro, não somos carne e unha, “apenas” nos vigiamos, nos protegemos um ao outro, incondicionalmente. Quando a lua banha a terra, com sua beleza arredondada, é quando os nossos olhos se encontram e se vêem mais distantes.

“Você me tem, me possui”. Que coisa de maluco. Nunca desejei Ter alguém de carne e osso, nunca pensei possuir nada, a não ser, a mim mesmo, e olha lá! Embasbacado resolvi perguntar.

__ O quê é que eu tenho e não sei?

No que ela respondeu...

__ A mim.

__ Isto é demais para um cidadão como eu.

__ Para que você entenda melhor, quando digo: “você me tem”, estou afirmando que o meu corpo e minha mente, formam um único Ser e que, fundidos, você Tem o poder de fazer do meu Ser, o seu Eu com um simples olhar. Quando digo que você “me possui”, estou confirmando que estou inteira, um Ser completo. Sem tirar, nem por, qualquer pedaço ou adereço.

Eh, meu amigo, esta minha musa me deixa maluco, pelo que pude perceber de suas falas, concluí que o Ser dorme de olhos fechados, mas às vezes o “ter” deixa o Ser de olhos arregalados para que ele possa viver e sonhar livremente.

Um grande abraço.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 26/09/2006
Reeditado em 05/12/2022
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