Inimigo meu, seu erro foi aprisionar-me.
Maceió, 02 de setembro de 2010
Inimigo meu,
Escrevo para te lamentar. Triste perder a principal fonte de prazer. Mesmo com todo mal que me fez não pude deixar de lastimar por você.
Horrível ser vazio e só ter a tristeza, a maldade e a agressão por companhia.
Horrível, por que o tempo passa inexoravelmente e mesmo o mais cruel dos carrascos já não tem forças para levantar o machado e os condenados lhe fogem, e mesmo que não zombem da decrepitude do seu algoz - não todos, naturalmente, pois há os que de tanto serem vítimas se tornam carrascos - o próprio algoz sente o vazio que o cerca no silêncio da voz dos prisioneiros, que já não estão ali, se contorcendo nas vascas da agonia.
Como você pode ver, tolamente não sou daqueles que fogem. Fico para observar sua agônica impotência. Tolamente satisfeita em ver você sofrer, ainda não me posso libertar. Publius Cornelius Tacitus disse muito bem: "Os homens apressam-se mais a retribuir um dano do que um benefício, porque a gratidão é um peso e a vingança, um prazer."
Libertar-me não me daria tanto prazer quanto estar aqui e, embora me eu saiba incapaz de qualquer ação similar as suas, viciei-me em observar sua lenta queda para o nada.
Inimigo meu, seu erro foi aprisionar-me, sua tolicie foi achar que eu fugiria. Agora você não pode mais me tocar ou atingir, estou longe do seu veneno, do seu chicote, estou longe do seu alcance, longe de você.
Espero apenas que minhas asas - que você cortou - cresçam para voar. e então, inimigo meu, nem mesmo o consolo da minha presença muda e observadora você terá. A solidão será seu prêmio e a tormentosa lembrança do que lhe fazia acreditar no seu "imenso" poder que lhe abandona agora.
Minhas asas estão crescendo, inimigo meu, e eu sempre soube voar.