TRAÇO DO TALENTO: ARTE PLÁSTICA E POESIA
Parabéns, meu bom poetamigo Reginaldo! Conseguiste fazer um milagre lúdico, pictórico, aos moldes dos bons e diligentes sonetistas que fogem do esquema ortodoxo, lírico-amoroso. Duas peças únicas, dois belos espécimes da sonetística brasileira. Mas como dividi-los, se são unos pelo temário?
Quando o soneto possui até três versos a mais, diz-se dele que é ESTRAMBÓTICO, porque tecnicamente restam negados os quatorze versos. Acabam sendo lavrados em até dezessete versos, portanto.
Mas, aqui, mesmo que não seja uma COROA DE SONETOS, que é a forma quantitativa de versos mais conhecida e longa consagrada na sonetística, os dois sonetos apresentados formam peça única, siamesa.
Que ótimo recurso, quando o autor percebe que o tema é amplo, mesmo que fragmentário de imagens e inspirações.
O autor, neste, com uma competência rara, é um cronista em versos, mas não faz o seu comentário instantâneo, imediatista, através da prosa, e, sim, o retrata poeticamente. É talento que colhe o leitor em cheio. Arte literária em poesia, autônoma, independente.
O que se depreende aqui, em muito nítidas cores, é uma miscelânea de arte pictória, com muito movimento, alma. Uma croniqueta dentro da palheta do artista plástico.
Lembrei-me da Feira do Artesanato de Fortaleza, uma das mais extravagantes que conheço. Rememorei, também, a Feira de San Telmo, em Buenos Aires, mas desviei o pensamento, porque esta – a lavrada por ti – tem a pincelada brasileira da arte naïf, colorida, agreste, tudo bem o Brasil de tuas raízes nordestinas.
Está em mim, nos olhos e no olfato, a Feira Livre perto de Genipabu, em Natal, aquele primor potiguar, novembro de 1997. Sinto até o cheiro da carne-de-sol, – o charque não maturado –, olorosa de sebo e morte, misturada ao cheiro forte da pinga e do cocô dos passarinhos.
Tudo exposto aos olhos do observador. Fotografia literária para a posteridade, com a simplicidade de quem joga bolinha de gude ou brinca com o bilboquê, na infância.
Vês como o buril e o cinzel da arte viajam dentro da gente? Bendita Palavra e seus mistérios nas retinas!
----- Original Message -----
From: Reginaldo Costa de Albuquerque
To: Joaquim Moncks - BrTurbo
Sent: Thursday, September 21, 2006 12:34 PM
Subject: Soneto
Bah! Xiru gaiteiro, saudações pantaneiras... E se tiveres um tempinho, diz sobre essa composição. Se exagerei na metáfora, se o terceto do segundo soneto destoou... Grato. Salve o 'esturro da pintada'!
NA FEIRA DE ARTESANATO
Reginaldo Costa de Albuquerque
I
À entrada o cortinado alvo se espalha,
guardada por dois bugres de madeira,
firme o olhar, arco, e a flecha tão certeira,
últimos heróis de épica batalha.
O ambiente colorido a incenso cheira...
Pêndulas nos varais, aves de palha,
cantam para o artesão que ali trabalha,
dando vida a umas folhas de palmeira.
À parede, aos montões, carrancas de aço
brincam de esconde-esconde... uma dispara...
Muitas após... a fresta... o estardalhaço...
No lago de um tapete a um canto, Iara
emerge e vem nadar de espaço a espaço,
e, loura e bela, ao nauta se prepara...
II
─ “Levante o rosto... mostre a face escura...
Um pouco mais... para esse lado... assim!...”
Na brancura da tela, o estro e o nanquim
gravam o encanto de gentil criatura.
Noutra, sob ramos em tremor sem fim,
o esturro da pintada ganha altura...
Quebra o som da cascata na planura
e acorda lá no azul um querubim.
Bichos fogem, pululam dos entalhos
no metal, vidro e barro... De arabescos
em roupas, toalhas, colchas de retalhos...
Com tanto alinho não se vê o bando
em torno, no outro lado dos afrescos,
de rotos suvenires esmolando...
– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.
http://www.recantodasletras.com.br/cartas/246242