Amado amigo

É visível, aos meus olhos, o desconforto que o cerca ao se ver acuado, diante das tantas tentativas em que declaro meu desejo da entrega. A sua resposta gera um combate entre o verbo e a emoção. Não se entendem: ora se contêm; ora pensam no quanto seria perfeito esse amor, mas não ousam acordar qualquer decisão.

Eu sei que desperto o seu desejo, não por querer, mas pela moção natural, sem censura, que me faz crer no impossível. Sinto-me, espontaneamente, sua. Embora pouco lhe interesse a doação do que eu sou.

Quisera a nobreza de perdoá-lo pela insensibilidade ao recusar o amor em sua plenitude que, julgado pelo meu juízo, em nada pode ser ofensivo. O amor que eu guardo com zelo, mesmo num peito ferido, transpassado pela dor.

Tal como se eu fosse capaz, penso em um dia esquecê-lo. E, como se possível, apagar de mim todas as vezes em que eu me perdi em devaneios, a ponto de experimentar a sensação do prazer de me dar ao seu desejo; um dia, penso eu, nada mais restará de você em mim, a não ser a doce recordação de um homem querido que eu amei, mas que por atos impostos pelas convenções, nunca pôde atender-me com um “sim”.

E essa aflição que me faz gélida diante da sua presença quando o encontro é inevitável, vai inexistir. Vou percebê-lo sem manifestar qualquer reação, e você vai passar a ser como nada em minha vida.

Ao suplantar esse sentimento inefável que me faz louca por você vou, finalmente, crer que já não há mais vida em mim: serei apenas uma sombra diminuta que padece.

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 23/08/2010
Reeditado em 12/11/2010
Código do texto: T2454316
Classificação de conteúdo: seguro