Sobre o pai que nunca tive e a grandeza do amor de minha avó.
Por muito tempo lamentei o fato de não ter tido um pai.
Eu chorei muitas lágrimas pensando em como seria bom ter sido criado por um pai e uma mãe.
Até há uns dez anos atrás eu ainda lamentava a falta da família modelo, a chamada família perfeita.
Nossa, quantas lágrimas chorei, quanta dor eu passei!
Foram tempos difíceis, eu culpava tudo e todos por não ter tido um pai e uma mãe presente.
Minha mãe pelo menos estava ali fisicamente, e embora nossa relação fosse dolorosa pois havia muito ressentimento e cobrança, no fim, o que contava é que pelo menos ela, em alguns momentos da minha vida, estava lá.
Mas, eu nunca pude dizer isso de meu pai biológico, ele nunca esteve lá: mesmo morando na mesma cidade, mesmo tão perto.
Não, ele nunca quis assumir seu filho.
Nunca quis dividir suas alegrias e experiências comigo.
Nunca foi capaz de vivenciar comigo minhas alegrias e dores.
Ele nunca esteve ao meu lado nos momentos de desespero.
Ele nunca vivenciou comigo nenhuma de minhas lutas.
E não estava presente em minhas vitórias.
Não, ele nunca esteve comigo, nem ao menos em meu coração.
Nunca cantou comigo uma canção.
Nunca me deu conselhos e falou das coisas da vida.
Tudo que vivi e aprendi foi graças ao convívio com aquela que me criou: Minha sofrida e corajosa avó.
Foi minha avó que me ensinou que existem coisas que não tem preço como o zelo, o amor e o cuidado.
Sim, quem ama cuida e ela mesmo sendo analfabeta, mesmo com problemas mentais, mesmo com toda miséria; me ensinou tudo de mais precioso que eu aprendi.
Ela me ensinou o valor da honestidade, da dignidade e da simplicidade.
Ela ajudou a moldar meu caráter e me deu força para seguir em frente, quando eu só pensava em desistir de tudo, inclusive de minha própria vida.
Minha avó me ensinou o valor das coisas simples da vida.
Me ensinou a dar valor a um pão e a solidariedade de um irmão.
Sim, foi muita miserável nossa vida: tudo faltava.
Faltava comida, faltava espaço, faltava condições dignas de vida.
Mas, o zelo nunca faltou e o cuidado até sobrou.
Minha avó me mostrou que para se ser grande, não é tão importante ter posses, dinheiro; mas sim ter amor e coragem de se doar ao outro, de se dedicar plenamente a um filho que outros fizeram e abandonaram.
Ela foi o pai e a mãe que não tive.
Ela me ensinou a grandeza de ser humano mesmo em situações limites, passamos fome, frio, doenças, abandono e até por discriminação; mas ela nunca me abandonou, sempre esteve ali, até quando tinha que estar longe para tratar de sua demência, ela sempre estava ali presente em meu coração de menino.
É foram muitas lágrimas derramadas.
Muito sangue jorrado.
Muitas marcas no corpo e na alma.
Mas, no fim eu vi: vi que estava errado em sentir falta daquilo que não tive.
Famílias não são e nem nunca serão perfeitas.
E hoje não lamento mais não ter tido um pai.
Afinal tive a melhor pessoa do mundo ao meu lado: a pessoa que mais me amou e ainda me ama nessa vida.
E hoje apesar de todas feridas, eu só tenho que agradecer a Deus por ter colocado minha avó em minha vida.
E mais ainda de ter me dado a dádiva de aos trinta anos ainda tê-la ao meu lado.
Hoje ela já não tem mais tanta consciência, se esquece do nome das pessoas, se esquece de coisas que acabaram de acontecer.
Mas, ela nunca se esquece daquele que criou como filho e que sempre esteve ao seu lado.
E quando tenho que partir: ela chora e eu também.
Na chegada a encontro quase sempre sentada no sofá ou em pé diante da porta como a dizer: Eu estava aqui esse tempo todo só a te esperar e assim vou ficar até o fim de meus dias.
É, esse é o verdadeiro amor materno e paterno que tive, e esse amor é tão grande que eu jamais o trocaria por nenhum amor do mundo: nem mesmo por amor de uma família modelo.
Pois, que os modelos não passam de ilusão.
E o amor e cuidado que tive e tenho de minha avó, é fruto de um sentimento real e verdadeiro.
E sabe, meu amigo, eu não trocaria esse amor por nada nesse mundo, nada mesmo.