Para minha professora de português
Belo Horizonte, 16 da agosto de 2010
Cara Cláudia,
Desculpe-me se, após tanto tempo, seu imenso esforço não resultou em mim, algo além de um português para atender aos propósitos mais simples da comunicação. Gostaria, com sinceridade, ser capaz de mostrar-lhe um pouco mais de competência na lida com esta complexa e bela língua, mas, tão logo me senti com um pouco de autonomia, saí, em minha juventude afobada, a vasculhar suas outras possibilidades.
É que minha alma, ao contrário do meu corpo tímido, voava em segredo enquanto as regras fluíam no quadro negro e o pó de giz caia, feito neve, no chão da sala.
Creio que vasculhava eras pré gramaticais, quando as experiências não poderiam ser repassadas pelas simples oposições de símbolos em rochas e pergaminhos, quando a poesia andava livre de qualquer tentativa de controle. Não que ela não seja livre hoje. Apenas deve utilizar-se de subterfúgios para manter seu status.
É que ao longo dos anos deram-lhe inúmeras formas e regras, sem saber que ela oferecia-se também aos menos capazes e mesmo, aos iletrados e aos famintos. O sentimento não pode ter forma pré definida, pois assume a forma daquele que sente; a beleza, a perplexidade, o medo, a dor e o êxtase.
Isso me faz lembrar de outras tentativas acadêmicas, quando buscavam definir o salto de humanidade que gerou a nossa espécie, o fogo, a roda e, mais recentemente, a tecnologia do século XXI, que lança o homem em novo patamar.
Particularmente eu penso que o salto de humanidade não se deu em nenhuma tecnologia específica, ou mesmo no conjunto delas. Ele ocorreu quando a primeira mãe macaco, que me desculpe o professor de ciências, foi capaz de ver seu bebê morto no colo e reverenciar a morte. O nosso grande salto evolutivo ocorreu com a primeira lágrima. Foi quando compreendemos a grandeza e a importância da vida e pudemos senti-la plenamente.
Não sei se os cientistas buscam lágrimas fossilizadas, pois elas caem na terra e realimentam o ciclo. Mas estou convencido de que é, nem tanto o seu entendimento pleno, mas a busca de harmonizá-lo, que definiu nosso papel. O resto é tecnologia, incluindo estas regras que me fogem, mas nem por isso impedem que eu me expresse.
Do seu eterno aluno,
Marcelo