Arraial do Tijuco, 12 de dezembro de 1755.
               
                Querida prima Quitéria,

                Como tem passado os dias? Com a graça de Deus, aqui em casa estamos todos bem. Soube que madrinha Francisca não tem estado muito bem de saúde e por isso vosmecê não tem podido nos visitar. Há dias queremos ir até aí fazer uma visita, principalmente para a madrinha, mas todos os preparativos de meu casamento e ainda o fato de papai ter ido até Vila Rica com o contratador João Fernandes, nos tem impedido de sair de casa.

                Ficamos muito felizes em saber de seu noivado com o Antônio Torres de Sá Filho. De fato, esta é uma excelente família, de boas posses, e Antônio Filho é muito bom moço. Papai comentou antes de viajar que gostaria que Antônio Filho se casasse com Bastiana, mas pensa que é melhor arrumar casamento para vosmecê primeiro e que o padrinho fez muito boa escolha. Prima, vosmecê é uma moça de muita sorte, principalmente porque ainda conseguiu um bom noivo com a idade que já está. Eu estava muito preocupada com isso, pois papai queria que eu completasse 15 anos antes de me casar, mas o padrinho esperou muito, até os 17 anos para arrumar noivo para vosmecê!  Papai disse que, por vosmecê ser a única filha mulher seu pai sente ciúmes. Achei engraçado isso, mas a verdade é que aqui em casa somos quatro filhas mulheres. Sem falar nos homens, que são seis! Bom, o que importa é o futuro e o nosso será muito feliz com nossos maridos e nossos filhos, com graça do bom Deus.

                Meu noivo, como já deve saber, é o José de Arimatéia Soares, filho do Capitão João Batista Soares, que veio para a ajudar o Contratador João Fernandes no garimpo. Já marcamos a data do casamento: será dia 5 fevereiro do ano que vem. Papai fez questão de dar um tempo maior, porque quer que José venha todos os dias aqui em casa para que eu o conheça e me afeiçoe a ele. Mamãe não gostou muito, ela disse que viu papai pela primeira vez no altar e isso não a impediu de ser uma excelente esposa. Papai não fala sobre esse assunto, mas penso que ele preferia ter convivido um pouco com mamãe antes de se casarem. Mas o que importa, minha boa prima, é que José é muito bom moço, gentil e me trata com muito respeito. Sinto que terei uma vida feliz a seu lado, teremos muitos filhos e netos e vamos morrer velhinhos, juntinhos.  José contou-nos que já comprou as terras vizinhas às do contratador João Fernandes. Disse que lá tem uma boa casa e já a comprou com alguns escravos e umas vacas leiteiras. Vi que papai ficou muito satisfeito. José disse também que mandou trazer móveis novos de Vila Rica e mandou limpar tudo, principalmente a senzala. Achei estranho esse cuidado, mas penso que ele é um rapaz bem limpo. Ontem, enquanto mamãe foi acudir a escrava que deixou o café cair a caminho da sala de visitas, José pegou minha mão, beijou-a e disse que minhas mãos são muito bonitas. Eu fiquei sem jeito, mas disse a ele que sabia bordar e costurar bem. Quando mamãe voltou, não gostou de ver José tão próximo a mim. Ele pediu desculpas e disse a mamãe o quanto admirava minhas mãos e que era um feliz noivo em saber que sua futura senhora é muito prendada. Mamãe ficou com a cara fechada até o fim da visita e quando José foi embora, ela disse que era por essa razão que pensava que eu devia ver José somente na Igreja. Um descuido e poderei ser desvirtuada. Eu disse a ela, com todo o respeito que tenho por mamãe, que José é moço respeitador e que jamais me desvirtuará. Mamãe decidiu que a partir de amanhã eu me sentarei na cadeira de papai, sem o menor contato com José e que estou proibida de sorrir para ele, pois ele hoje se atreveu a aproximar-se de mim porque julgou-me pouco séria. Chorei a noite toda. Mamãe foi injusta comigo em sua fala, sou moça séria e, afinal, José será meu esposo. Prima Quitéria, diga-me: vosmecê pensa que agi mal com José ou mamãe exagera em seus julgamentos?

                Minha boa prima, mamãe e eu já decidimos fazer-lhes uma visita assim que papai retornar de Vila Rica. Queremos muito ver a madrinha Francisca. Ela precisa ficar boa logo, porque quero que seja minha madrinha de casamento também! Quero muito que vosmecê apareça aqui em casa para ver meu vestido de noiva. Já está quase pronto! Bastiana já começou a bordar seu vestido, pois papai já anunciou que assim que eu me casar vai procurar um noivo para ela. Ano que vem ela completará 15 anos e, para papai, é a idade ideal para uma moça se casar. Mamãe quer que todas nós usemos a mesma mantilha que ela usou quando se casou. Isso significa que terei que devolver a mantilha que usarei depois de meu casamento, já que sou a filha mais velha. Depois de mim, minhas três irmãs ainda usarão a mantilha. Eu preferia mesmo que papai trouxesse uma mantilha bem bonita de Vila Rica para meu casamento, mas essas tradições de mamãe sempre atrapalham nossos planos.

                Bem, prima, penso que vosmecê também deve estar bastante ocupada com seu vestido de noiva. Mostre-me quando formos visitá-las. Por ora, não vou incomodá-la mais com meus lamentos sobre mamãe.

                               Com afeto, da prima que muito lhe considera,
                                                                                                     Helena.
 

P.S.: Por favor, diga a madrinha Francisca que estimo melhoras e que assim que papai voltar de Vila Rica vamos visitá-la.


                       
 (Imagem: http://pedroa-o.blogspot.com/2010/08/ame-as-palavras-como-amas-as-pessoas.html)