Quase bodas de ouro
Meu amor,
Daqui a pouco faremos bodas de ouro. Faltam só dois anos, lembras? Exatamente a quatro de agosto de 1962, às cinco horas, ainda escuro, o estridente despertador de cordas nos acorda, o casamento seria às seis.
Em teus trinta e cinco anos completados em 04 de maio, na bela estatura de um metro e setenta e quatro, oitenta quilos bem distribuídos, com aqueles cabelos grisalhos e o andar ligeiramente claudicante, por conta da meningite que te acometera aos dezoito anos, dando-te certo charme, conquistaste meu coração. Inquieto, um solterão solitário morando em hotéis, comerciante bem sucedido vivia rodeado de mulheres, até me encontrares, era o que dizias. E então, planejaste uma família e deste-me a conhecer os detalhes, prometendo mudar de vida. Querias quatro filhos.
Eu em meus dezoito anos completados em 10 de maio, tímida, numa estatura de um metro e sessenta, com cinqüenta e quatro quilos, cabelos pretos ondulados, estudante e comerciária, morava com minha tia no Monte Castelo. Trabalhava durante o dia e estudava à noite até ser pedida em casamento pelo meu patrão apaixonado.
Com o casamento marcado para 4 de agosto às 16 horas, convenceste-me a morarmos juntos em nossa casa já montada, enquanto corriam os proclamas e a 12 de junho, dia dos namorados, mudamos, resolvendo o nosso problema de moradia, pois estávamos longe de nossas famílias.
Lembras a confusão que arranjamos? Meus pais vieram do interior às pressas para saber que estória era aquela de morar juntos antes do casamento? Minha tia, decepcionada, dizia a meus pais que eu era mesmo muito estranha, pois, ao invés de sair, me divertir nos finais de semana, tal os jovem da minha idade, ficava enfurnada em casa lendo o tempo todo. Foi difícil convencê-los de que, para nós, nada tinha mudado e o casamento seria na data marcada, um pouco mais cedo. Só queríamos ficar logo juntos e evitar as duplas despesas de aluguel da casa e diárias do hotel onde moravas.
Tu comandavas tudo. Vestiste teu terno cinza, camisa branca e a gravata italiana de seda pura de listras diagonais, ressaltadas por outras vermelhas bem finas.. Eu pus um discreto vestido de musseline verde musgo com acessórios de camurça cinza escuro, combinando com a tua roupa. Às cinco e meia o táxis contratado no dia anterior, parava à porta para nos conduzir à igreja de São João, onde se realizaria o nosso casamento, religioso com efeito civil.
Nossos padrinhos: Ferreirinha e a esposa; nunca soubemos o verdadeiro nome dele. Dr. Murilo Travassos, promotor da primeira vara de São Luís, e a esposa, Lourdes, já se encontravam na igreja. Após a breve missa foi celebrado o casamento. Despedimo-nos dos padrinhos e voltamos para nossa casa, à Travessa da Passagem, no centro, no mesmo táxi que nos levara e depois seguimos para o Hotel Central onde ficamos aquele dia e a noite, voltando para casa no dia seguinte, os negócios não poderiam parar, era o que dizias, ainda mais agora que o primogênito já estava a caminho.
Hoje faz quarenta e oito anos que eu, mocinha insegura, subia a escadaria da Igreja de São João, à Rua dos Afogados, São Luís-MA, levada pela mão firme do meu noivo apaixonado. Dos quatro filhos que planejaste só vieram dois, Rogério e Jane, que tu amaste tanto! Mesmo por pouco tempo, foste um pai amoroso e sonhaste um belo futuro para eles, embora não tenhas tido tempo de acompanhar. Mas, o sonho de deixar sua semente para a posteridade transformou-se em realidade. Temos agora, além de dois filhos, cinco netos bonitos, saudáveis, inteligentes e bem resolvidos. Espero que Deus me dê o privilégio de ver nossos bisnetos.
Nossos netos caminham firmes rumo à realização profissional e pessoal, Stella, concluirá a faculdade de Agronomia no final deste ano. Caroline está cursando o 3º período de Microbiologia. Caio fará, no final deste ano, o vestibular para Economia. Luisa, também fará o vestibular este ano, ainda está decidindo para qual área. Carla, nossa neta caçula, está no 1º ano do Ensino Médio e quer ser engenheira civil.
Como vês, foi uma bela caminhada. A decisão de formamos uma família, há exatos quarenta e oito anos, foi coroada de êxito, e hoje, temos descendentes conscientes de seu papel na sociedade. Pena não teres tido tempo de acompanhar uma família tão bonita. Mas, eu sei que estás contente com os resultados e nos dás inspiração para prosseguirmos na caminhada.
Minha eterna gratidão.
Praia do Anil, Magé – RJ.
04 de agosto de 2010