Arraial do Tijuco, 28 de novembro de 1755.
 
          Querida madrinha Francisca, a sua bênção!

          Espero que esteja melhor da enfermidade que a impediu de me visitar no dia de meu aniversário de 15 anos. Quero muito lhe agradecer pelo lindo presente que me enviou. Será muito útil em meu enxoval. Papai deu-me de presente uma escrava de 12 anos, de bons dentes e bem esperta. Mamãe diz que ela é preguiçosa, mas como eu ainda não me casei, ela não tem muitas coisas para fazer...

          Tive uma surpresa no meu aniversário. A Dona Chica da Silva veio me visitar e me deu diamantes de presente! Mamãe não gostou, mas tratou bem a mulher do contratador que, inclusive, é muito gentil.  Afora o fato de ela ser negra e ter sido escrava até o ano passado, ela é uma dama normal. Tomou chá conosco e perguntou se eu já tinha noivo, se já pensava em me casar. Mamãe apressou-se em dizer que sim, com moço de boa família. Mas Dona Chica disse que queria saber de mim, o que eu achava de me casar. Fiquei nervosa, porque ninguém nunca me pergunta nada e é sempre mamãe quem responde. Eu disse então que achava bom, porque uma moça como eu deve se casar e ter muitos filhos. E eu quero ter mesmo muitos filhos, uma família bem grande, uns doze filhos acho que é o ideal. Mamãe gostou de minha resposta. Dona Chica disse que nós, mulheres, temos que ser valentes. Ela, por exemplo, segredou-nos que estava desconfiada que esperava outro filho do contratador, mas não tinha muita certeza ainda. Mamãe não ficou nada à vontade com a revelação. Quando ela foi embora, mamãe ensinou-me que não devemos revelar essas coisas a pessoas que não sejam íntimas, como Dona Chica fizera. Ela, até bem pouco tempo, era uma escrava, não teve a educação refinada que eu tive e por isso não sabe se portar tão bem.

          Meu noivo veio me visitar pela primeira vez um dia depois de meu aniversário. Ele se chama José de Arimateia Soares e é um rapaz sério, educado, fino e distinto. O pai dele veio ajudar o Contratador João Fernandes e papai, já procurando um noivo para mim, combinou com o pai dele. José acabou de chegar de Lisboa, onde estudou. É doutor e também vai ajudar no controle do garimpo.  Gostei do jeito dele e acho que ele gostou de mim também, porque quando foi embora sorriu para mim depois de beijar minha mão. No próximo domingo depois da missa, ele e a família vêm almoçar aqui em casa e vamos marcar a data do casamento. Estou tão ansiosa! Meu vestido de noiva ainda está inacabado. Falta bordar uma parte grande da saia e eu e minha mana Bastiana passamos dias inteiros bordando meu vestido. Às vezes, quando minha irmãzinha Carolina vai dormir depois do almoço, mamãe ajuda no bordado. Bem que Carolina podia ter nascido no lugar do Agostinho, que aí ela teria 12 anos e poderia ajudar no bordado também. Usarei a mesma mantilha com que mamãe se casou. Meu enxoval já está praticamente pronto. Falta ainda bordar a letra “J” junto ao “H” de meu nome em algumas peças.

          Papai disse que na fazenda tem dois capados quase no ponto para a festa e já escolheu o boi que vai matar. Quando marcarmos a data avisarei, e eu espero a senhora e o padrinho para a cerimônia e a festa. Lembre-se que serão meus padrinhos!

          Agora preciso voltar ao bordado de meu vestido. Estou mais preocupada com isso, porque as peças de meu enxoval que ainda não estão prontas posso bordar depois do casamento.

          Minhas lembranças para as primas. Por favor, deixe a Quitéria visitar-me um dia. Se ela vier, poderá ajudar no bordado do meu vestido de noiva. Mamãe e Bastiana mandam lembranças para a senhora.

          Dê-nos notícias. E abençoe-me, madrinha.

                                Com afeto, da afilhada que muito lhe estima,

                                                                                               Helena.

P.S.: Madrinha, mando para a senhora uma das pedrinhas de diamante que a Dona Chica me deu. É um presente.




(Imagem:
http://pedroa-o.blogspot.com/2010/08/ame-as-palavras-como-amas-as-pessoas.html)