DIÁLOGO DO CORAÇÃO COM ELE MESMO
O prazo de validade havia vencido.
Contudo, eu ainda pulsava e queria continuar pulsando.
E a pulsação era forte, havia vida em mim, apesar de muitas coisas estarem definitivamente mortas, eu tinha um pulso de andamento rápido, às vezes alegro ou presto; e ainda noutras ocasiões prestíssimo!
É certo que na maior parte do tempo o meu compasso de músculo cardíaco era largo ou andante. Trôpego e triste que andava, tinha que negar a mim mesmo, minhas asas eram maiores do que o céu disponível para eu voar.
Tudo, simplesmente, tudo um dia vence. E não é vencer no sentido de vitória, mas vencer no sentido de não prestar mais para nada. Quando as coisas tomam esse sentido da palavra vencer é porque de fato se tornaram inúteis.
Insistem-se nelas por força das conveniências e das praticidades da vida, mas o lugar das coisas que não têm mais utilidade é o lixo, o descarte.
Até mesmo o nosso precioso corpo, que tanto cuidamos, quando já não tem vida, precisa ser descartado. A vida nos presenteou com essa grande fartura de fatalidades.
Será Deus o autor desse presente tão agradável?
Nossa vontade, nosso grande ímpeto, é de nos desfazermos dos detritos que estão nos atrapalhando o quanto antes.
E nisso vou pulsando, vou segurando com grande dificuldade a minha onda.
Se me deixo sem vigilância é certo que sucumbirei bem rapidamente. Certo de que a insânia me atropelará como um caminhão passa por cima de um rato no meio da estrada.
E a vida é essa mistura de sentimentos, e a tentativa de por uma tampa na panela. Tampa que segure a enorme pressão que ela está produzindo.
Sufocado, eu ia de um lado ao outro espreitando oportunidades, o que será que há naquele lugar? E naquele que ainda desconheço, será que este espaço geográfico diferente aliviará essa minha falta de ar constante?
Seria o momento da ruptura, de encarar o desconhecido e suas desconhecidas perspectivas ou o caso seria permanecer onde se está?
O rol de coisas que listei entre prós e contras apontava claramente para a ruptura definitiva, dadas as vantagens e desvantagens objetivamente medidas, e fiz isso tudo não eu mesmo, pois sou extremamente emocional, pedi a ajuda do meu amigo cérebro.
Foi ele quem listou com grande frieza e me apontou os caminhos disponíveis.
Ele falou para mim: “A decisão é sua, cara. Já fiz minha parte!”
E eu aqui ainda há hesitar, voando baixo num céu carente de estrela, nadando raso numa piscina de plástico.
O mundo aí à minha frente e eu a viver em meio à pobreza, à carência e a pouca liberdade. Logo eu, logo eu, que sou tão grande, que tenho uma envergadura de asas enorme, o que fiz de mim?
Nisso, vou pulsando. Pulsar e bater sem parar é meu emprego. A pulsação agora está fraquinha, triste, amuada, como uma garoa de outono paulista, em meio ao frio intenso e exposto à escuridão mesmo durante o dia.
Até quando?