Em sonho

Esperava por ela ansiosamente. Pela vida inteira eu a esperei. Tomada nos meus braços, suspirando, como se nada no mundo a não ser eu mesmo pudesse amá-la mais. Sempre a desejei, com um desespero maluco de gente maluca, gente que ainda acredita em amor. Sinto que atravessei o mundo para encontrá-la, meu amigo, e agora que ela está ao meu lado, não sei se posso voltar. Sei que dei as costas ao mundo, mas eu caminhei todo o planeta Terra e finalmente encontrei, em braços como os dela, o meu lar.

O toque da sua pele é suave, mas queima a minha. Sua boca é um mel de mil abelhas rainhas, raro como pedra de Alquimista... Mas tão doce e tão saboroso, que por esse mel eu arrancaria cada estrela do firmamento. Eu arrancaria meu próprio coração, se ela já não tivesse feito.

Sei, querido amigo, que deve achar que sou um louco, e eu realmente tenho que concordar... Tenho rezado noite e dia para que você possa, em breve, compreender minha loucura. Para que seu corpo experimente, como o meu, o que é estar com alguém como ela, sentir seu hálito doce chamando meu nome enquanto chego ao seu fundo, fundo de seu corpo, de sua alma. E como depois ela me abraça, extasiada, e dá um sorriso maroto, jogando para trás o pescoço que convida por meus dentes. E eu quero mais... Tenho urgência dela. Quero engolí-la por inteira, preencher-me dela, esvaziar-me nela, calar seu grito sufocado num beijo absurdo e tão intenso quanto esse amor que sinto.

Tenho pensado, companheiro, em quanto tempo ela também esteve esperando por mim, quantos desenganos não passou... E o que deve agora estar por sua cabeça, talvez um medo sombrio de que eu seja apenas mais um, ou nenhum, que minha marca em seu coração seja apenas mais uma das muitas dores que ela aprendeu a sarar... E poderia eu expressar, por quanto tempo estive doente, sem sua voz a dengar o meu delírio? Como poderia, meu amigo, saber que a felicidade estava com ela, desde sempre? Ah, se eu soubesse... Teria poupado-nos tempo! Teria partido ao seu encontro, a toda velocidade, gritando pelos ventos que me esperasse, pois seria breve.

Mas quisera o tempo que assim não fosse, que apenas agora eu a encontrasse. Agora que acreditei ter outros planos, agora que já não mais uso roupas de festa, não mais enfeito minha alma ou perfumo minha face. Agora, nesse horrendo momento em que me encontro, ela achou-me belo. E sorriu o seu sorriso esgarçado, escandaloso, e tão profundo e gutural, que senti todos os meus ossos se esfacelarem. E na noite em que suas pernas abraçaram-me pela cintura, e ela gemeu uma dor perfeita, um toque perfeito de harmonia e prazer... Naquela noite, ela que sempre se achou tão feia, tão imperfeita e desmazelada (alguém ainda diz isso, amigo?), naquele instante ela reinou sobre mim, com seu salto fino de mulher. Pisou-me. Devorou-me. Pobre de mim.

Escrevo linhas para lhe dizer que estou bem... Que nunca estive tão bem antes. Que eu fui encontrado e agora tento fazer com que ela acredite que me achou. Tento guardá-la, com carinho, para que se sinta protegida por ser minha. Ela, que tanto quis um dia que alguém a sentisse de saudade, mal sabia que eu já sentia. Era isso que eu procurava, meu amigo, quando sentava-me junto a você na calçada, completamente triste, lamentando canções não cantadas, amores não vividos, fotos que nunca tirei... Tudo aquilo concentrava-se nela, e eu fico imaginando às vezes, que se um segundo só, um milésimo infinito de tempo tivesse cursado de outra maneira, talvez eu nunca saberia que é ela a outra parte que os Deuses haviam retirado de mim. Seria eu incompleto. Um feliz sem saber que é infeliz.

Todos os caminhos me trouxeram aqui, amigo. Guardo saudades de casa, de você e dos outros, e eu ainda os verei, pois quero que sintam como hoje meu sorriso é forte e verdadeiro. Mas por enquanto, eu fui roubado. Fui feito escravo... Por vontade própria.

E se eu voltar, precisarei estar com ela. E se eu partir, precisarei estar com ela. E se ela me abandonar... Precisarei estar...

Com carinho eu espero que haja para todos os homens essa minha redenção. Ou que se rendam. Ou que se prendam. Ou que se matem.

Peço para você uma felicidade como a minha.

Ah, eu tenho rezado, meu querido, tenho orado muito para que você também vibre todas essas veias voando vorazes por sua vida. Cheias de sangue, eretas, urgentes, pulsantes. E que depois do gozo... Viram apenas silêncio.

Ó, Deus...

Como há paz no silêncio dela!

P.S: Simplesmente porque, se existe uma forma perfeita de sentir como quero ser amada, só eu mesma poderia escrever.

Meus sinceros pedidos de desculpas a Clarice Lispector.

Wisdom
Enviado por Wisdom em 22/07/2010
Código do texto: T2392207