BELEZA EXTERIOR PÕE MESA?
(para Raphaela Müller, escritora, exuberante em seus 20 anos)
Não te preocupes muito com o que eventualmente venha a apontar como lapsos de fundo e de forma, ao examinar os teus versos e prosas. Estou, com este proceder, provocando o pensar sobre a lavratura das idéias e a rever o momento da inspiração.
Realiza-se nesta fase, o segundo momento de criação – a transpiração –, o qual é o que realmente dá forma ao que se quer expor.
Esta segunda mirada é uma espécie de revisão do que se alinhavou durante a instantaneidade do mistério da idéia, do lampejo sobre os fatos dispostos no mundo, os quais são a matéria prima para o surgimento da tradução deles em palavras.
Nesta prevalece a inteligência, enquanto que, na primeira fase, o vetor número um é a sensibilidade.
Já observei, pelos ‘Comentários’ no Recanto das Letras, que tens admiradores que estão fascinados com a tua imagem de menina-moça. A estrela brilha no sorriso.
Superado isto – e que é muito difícil para os jovens –, a palavra vai andar nua, mais bonita do que o tempo.
Não há roupa mais bela do que a juventude. Mas é mera indumentária, o adereço que torna o usuário mais formoso. Quando se lhe tira fora, foi-se o belo.
Rosto, corpo lindo, palavras bonitas, nem sempre andam juntos. É regra geral que a beleza corpórea dificilmente produz o escritor talentoso. Quase sempre o bom escriba é feio, não tem a beleza nos parâmetros usuais.
Escrever é, quase sempre, contrapor o feio de nós à fealdade do outro, ao estrambótico, ao que nos pune e compunge. Também àquilo que nos reprime enquanto humanos. E desta matéria disforme produzir o belo estético. E o mundo se torna ameno pela beleza dita, lavrada no húmus do choro.
E como o interior não é visto por quem está de fora, só o mergulho em profundidade, na obra escrita, pode produzir a paixão pelo texto e o apaixonamento pela beleza diferenciada de seu autor. Beleza que tem a aura do etéreo, sobrepairando como a coroa angelical.
Palavras sem atos são tiros sem balas, cognição em que reluz ainda a palavra do Padre Antonio Vieira, no Sermão da Sexagésima, século XVIII.
Aceita a lição que conduz ao fazer, esta é a vantagem daquele que tem o andejar dos anos contra si, mas conta com a beleza da palavra e suas imagens refletidas.
E o que é a perenidade senão o resistir ao decurso do tempo?
– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.
http://www.recantodasletras.com.br/cartas/238505