Carta ("Capitães de Areia" de Jorge Amado e "Pivete" de Chico Buarque)

A carta a seguir foi escrita relacionando as obras em parênteses no título acima.

São Paulo, 15 de junho de 2010

Prezada cidade,

Desde a década de 30, o destino de meninos abandonados como eu é furtar. Abandonados pelos pais, ninguém nos acolheu, estávamos sujos nas ruas e a única solução foi aprender.

Aprendi que, mesmo nos semáforos, com o surgimento dos automóveis, não aceitam nos ajudar.

Aprendi que, para ter, é preciso roubar.

Aprendi a fugir da FEBEM, prisão e de qualquer lugar hostil que você, cidade, tentou me levar.

Aprendi que há centenas de garotos como eu no mesmo patamar. E, mesmo que digam que a sociedade é uma só, eu lhes afirmo: uma nova sociedade construímos, mais justa e leal, onde tudo é de todos e nosso líder é como nós.

Sim, a maioria dos garotos abandonados não tem noção do que eu vou lhe dizer, nem você mesmo tem, cidade, mas colocamos em prática o que até hoje você não conseguiu: o socialismo científico. Não, não é utópico, vivemos em igualdade, do nosso jeito e nosso Estado é nosso líder.

Cidade, até que você nos dê direitos, viveremos com nossos direitos de furtar, cheirar, esmolar, transar, viajar, tapear, conversar, ler, aprender, sofrer, crescer, e sobretudo, viver.

Por isso, eu, o Professor dos Capitães da Areia, venho por meio deste lhe alertar que: seja no Brasil de 30, com a queda do movimento no cais e consequentemente dos alimentos por causa do “crash de 29”; ou mesmo no Brasil de 70 com a ditadura militar; ou hoje, em 2010, você não vai conseguir nos ajudar.

Atenciosamente,

Professor, em nome de todos os meninos abandonados.

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