Desabafo de uma educadora
DESABAFO DE UMA EDUCADORA
Por Rosália Cristina – Educadora da Rede Municipal de Ensino do Recife.
Caríssimos (as) colegas de profissão,
Quem somos nós afinal? É com esta pergunta que inicio meu desabafo. É, é isso... preciso desabafar. Uma dor me toma o peito quando me vejo tão humilhada enquanto educadora. Um silêncio me grita, paradoxalmente, na alma, como uma fita adesiva prendendo meus lábios. Tempos modernos esses nossos em que as fitas não são visíveis! E vejo tantas almas nos desesperos de seus silêncios!
Queria tanto fazer alguns seres viventes entenderem que não sou professora, sou educadora, e, como tal, preciso de muito, muito mais que o PÃO E CIRCO que me oferecem. Preciso antes de qualquer coisa, RESPEITO. Posteriormente, preciso manter-me DIGNA de meus ideais, de tudo que formula meu ser e me faz ser quem sou. Preciso, pois, enquanto educadora, de uma razão, um mínimo motivo me bastaria, para entender meus colegas que sorriem no picadeiro com a fantasia esférica e vermelha e que se voltam facilmente às arquibancadas para se servirem com as migalhas do que sobrou.
Perdoem-me se meu desabafo é longo. A educação que acredito ter condições de dar NÃO CUSTA R$ 300,00, não compreende a valorização que lhe é dada nos seus quatro vírgula alguma coisa de por cento, não acredita mais no valor da negociação vendo acordos sendo quebrados e distorcidos nos jornais, não se sustenta em irrisórias titulações. A educação que acredito ter condições de dar não se sustenta em uma sala de aula com biqueiras e o piso alagado em toda a sua extensão, nem tampouco em uma escola que não reconhece a heterogeneidade religiosa. A educação para qual me preparei, a fim de oferta-la, precisa de CONDIÇÕES MÍNIMAS para coletiva aplicação da Lei 11.648/08, por exemplo. E “condições mínimas” NÃO É O BÁSICO! É o princípio EFETIVANDO-SE CONTINUADAMENTE.
E que dor desvairada...! Tenho crianças que vão para o 6º ano sem saber ler e sem saber escrever. Que sistema educacional é esse? Será mesmo que a política da superproteção está nos ajudando? Quando eu era pequena, meus pais diziam: “estude para ser alguém na vida”. Eu me perguntava se o que eu era já não era um “ser alguém”, e pensava que esse “alguém” tão almejado pelos meus pais era alguém bem vestido. Só.
Visto-me todos os dias e me vejo despida, mãos amarradas com grossas cordas e toda banhada em lágrimas, pela criança não-letrada, pela mãe que desconhece seu próprio filho, pela direção que não age como gestão (talvez ainda nem saiba o que é isso!), pela ditadura disfarçada de democracia e proteção ao proletariado e pelas tantas outras mãos atadas.
É, sou alguém na vida. Estudei. Estudo ainda. Trabalho 8 h diárias por um salário que 1/3 vai para meus estudos. Ainda assim, acredito. Sou alguém! Até acordo cedo aos sábados e sigo meu itinerário suburbano, com a dor de quem NÃO QUER SE VER NO PICADEIRO, NEM MASTIGAR AS MIGALHAS QUE SÃO JOGADAS.
O fato é que sou educadora e vivo ao que podem chamar de UTOPIA, vivo a certeza de que DIAS MAIS DECENTES chegarão e que essa parte da história será apenas mais uma vergonha acumulada em nosso país, contada com graça e acompanhada por gestos de pura incredulidade.
Obrigada.