AO MEU QUERIDO BRUXO
21 de junho de 2010.
Estarias fazendo 171 anos hoje, mas bem sabemos, e tu também bem sabias que a vida não permite essa eternidade, esse luxo impensável, em se tratando de uma vida humana.
171 impossíveis anos!
A natureza deixou esse privilégio apenas às tartarugas.
Quis um livro tolo nos enganar dizendo que alguns homens viveram até 900 anos. Imagino a enorme gargalhada que destes no dia em que leu essa bobagem.
A nós, o cume da criação (alguns pensam assim), foi legado a terrível e inafastável morte.
A nós, o cume da criação, seja bem dito e entendido.
Mas quer queiramos ou não esse cérebro que agora pensa, estas mãos que agora digitam, juntar-se-ão ao mesmo pó do qual tu faz parte agora.
Tua vida se foi. Teu corpo já há muito tempo não é nada mais do que nada. Átomos espalhados pelo universo e só.
Tu que merecerias a imortalidade fostes reduzido a pó!
Haverá maior pecado do que calar a maior boca dessas terras?
Haverá sacrilégio maior do que fechar para sempre os olhos que viam além daquilo que os olhos costumam ver?
Haverá sentença mais cruel do que a extinção?
Como conseguimos viver sem você por tanto tempo?
Onde tu estarás agora? Não seria possível nos enviar uma pequena crônica? Um microconto? Um artigo minúsculo que seja com suas considerações sobre o nosso tempo?
Eu sei, e tu bem sabias que tua obra sobreviveria. Sim, tenho certeza que tu sabias.
Alguém da tua estatura sabe muito bem qual a exata medida do seu talento.
Tu fizeste com que esse nosso novo latim se tornasse um idioma grande. Tu combinaste as palavras com a combinação mais elegante, tu disseste o que disse da melhor forma, tu estás entre os maiores dos maiores.
Para mim és o maior.
Olhe, estou enviando aí para você o nosso querido Saramago. Receba-o no portal das letras imortais, por que vós sois imortais.
Teus corpos se reduziram a nada, vossas consciências reduziram-se a nada, mas os registros dos vossos pensamentos permanecem.
Fiques tranquilo pois és considerado o maior da nossa língua, tua obra rendeu frutos e glórias. Essa coisa tão genuinamente humana; a glória, a sede nomeada, a paixão pelo arruído.
É uma pena que não podes ver tudo isso.
É verdade que não transmitiste o legado da nossa miséria a nenhuma criatura, é verdade, mas tua obra que é a tua única filha fez nossas vidas melhores. Teu legado é o legado da lucidez e da visão além da obviedade.
Tenha certeza, daí donde estás, que sua obra permanecerá enquanto permanecer o homem.
Enquanto houver humanidade o que escrevestes ainda fará muito sentido, pois tua obra só morrerá quando o último homem morrer.
Descanse em paz, querido Mestre.