O POETA E A AUTO-ESTIMA

“Novo Hamburgo, RS, segunda-feira, 04 de setembro de 2006.

Amigo Moncks:

Prêmio de participação? De consolação? Igual a ti, não me acho o supra-sumo, nem tenho tal veleidade, de ser a melhor. Estudo sempre a arte poética, leio grandes poetas, sinto que tenho muito a desejar e, talvez por esta razão, não me animo a publicar livro de poemas. A POETISA em grifo é paupérrima, primária, insignificante. Desculpa-me, se tu és apreciador das suas poesias. A pessoa é bem legal, simpática, mas... creio que já a conheces.

Rascunhei o poema no ônibus, quando voltava para NH, e é inspirada numa conversa que tivemos.

Ione”.

Preciosa e estimada Ione Jaeger, grande dama, poeta e ativista cultural de minha predileção:

Acuso o recebimento da informação sobre a tua premiação no "Concurso Nelson Fachinelli de Efemérides 2006", promovido pela Casa do Poeta Rio-Grandense, com um texto que não veio junto à mensagem. Parabéns pelo 1º lugar na modalidade de mini-contos, crônicas, trova, prosa. Peço que o remetas, assim que souberes qual o texto que foi laureado.

No caso não tenho como avaliar se ocorre prêmio de participação ou de consolação, como dizes – creio – mais para inticar comigo. Num certame deste tipo premia-se o universo de textos postos à disposição dos jurados. Cabem prêmios ao que de melhor havia para ser julgado.

Ao demais, pressupõe-se seriedade no trato com estas coisas. Certame literário tem de ser coisa séria. É bem verdade que sabemos que nem sempre esta é a regra para as nossas iniciativas associativo-literárias e outras promovidas por avulsos, principalmente por internautas, na atualidade. Já obtive láureas nestes jogos em que jamais recebi a premiação prometida no regulamento dos mesmos.

Parece haver muito apadrinhamento e jogo de interesses até dos editores, principalmente quando estes se creditam como tais e não passam de amadores querendo ganhar dinheiro em cima da alta auto-estima dos concorrentes.

Ressalte-se, por vezes, a tal “fogueira das vaidades”, que é um cancro em nosso meio. Mas parece que esta é uma característica comum aos humanos, daí que deixemos para os filósofos. Nem me atrevo...

Num concurso, o que vale é a obra sub judice, ou seja, posta sob julgamento. Não se discute o "ser ou não ser", a anima do poeta ao fazer ou ao mandar o verso e a prosa para o exame dos avaliadores. E também não há razão, aprioristicamente, para menoscabar promotores e participantes.

Claro que percebo que estás – jocosa ou ironicamente – a jogar a tua costumeira modéstia para brincar com o teu antigo amigo.

Peço não te menosprezes... Tens alto valor pessoal e literário. Crias com inventiva e criatividade. Jogas bem com o verso e a prosa.

Percebo que tua prosa é mais escorreita, mais solta, característica tão encontrável no dia-a-dia dos baianos, povo amado de onde tu provéns, bem diferente do nosso, tão formalista, senhorial, até na boca dos humildes.

Talvez até por isto, o teu verso tem algo da ironia dos quintanares e aquele jeito prosaico que sempre caracterizou o nosso mestre poeta do Sul, que talvez tenha permanecido na alma de seu povo por fugir do convencionalismo com a sua costumeira ironia. E a poesia a tanto se presta...

Aliás, tenho pros meus botões que o maior mérito de Mario Quintana é ele ter dado dignidade poética à prosa. Foi mestre supremo nisto.

Perdão por discordar, em parte, no mérito. Sabes, sou um inveterado instigador, um incorrigível provocador. Fico com o mestre Hegel e sua dialética.

Quanto a ti, que és como eu, uma “condenada a sentir e a pensar”, menos, menos, não apoquentes a minha paciência. Dizes que tu não és o “supra-sumo” da intelectualidade prosaica ou poética, na atualidade. É bem verdade que talvez não tenhas energia vital e longevidade para chegares a isto. Mas não abro mão de te qualificar como uma das melhores autoras que apareceram nos últimos vinte anos na região do Vale dos Sinos. Já disse isto, em público, por várias vezes.

A POETISA que em ti habita não é “paupérrima, primária, insignificante”, como afirmas acima. Esta possui alguns dotes muito especiais, com belezas a ressaltar. Deixa os qualificativos para serem ditos por outros.

Cuidado com a falsa modéstia. Não a imagino contigo, vivendo dentro de ti. A falsidade não se identifica com a tua personalidade, no meu modo externo de ver. Perdão por ousar divergir tão caricatamente.

Em tese, sobre o assunto, fico com o conceito de auto-estima, de raiz psicológica, para aplicação ao escritor. A vaidade do homem do lugar comum da vida não é a mesma que orna o caráter dos escribas, particularmente o dos poetas.

Nestes, e isto pode ser observável em prosa e verso, o que existe é a ânsia do reconhecimento pelo seu trabalho e a palpável frustração que daí advém quando o sucesso de sua obra não ocorre. A amargura toma conta do poeta e pode ser mal interpretada pelo observador atento.

O trabalho em prosa, “O Poeta é um Fingidor”, de tua lavratura, em que discutes e glosas o texto do genial homem de letras português, já estava arquivado em tua pasta pessoal, nos meus arquivos implacáveis.

Ele contém muita sabedoria. Está bem escrito e já o enviei pra vários colegas na intenção de sirva de exemplo. Para ser consumido como reflexão que possa conduzir a uma produção mais profissionalizada, menos diletante, menos vaidosa. Diferenciada, portanto, do lugar comum da vida e seus valores.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/232670