Às pessoas que passaram na minha vida
CARTA ÁS PESSOAS QUE PASSARAM NA MINHA VIDA
Na infância nos habituamos com o convívio dos mais próximos (pai, mãe, irmãos). Nas festas e ocasiões comemorativas são acrescidos outros participantes, como primos, tios e amigos da família. O tempo passa e aprendemos a nos relacionar com colegas de colégio e de faculdade. Mais tarde na vida, já profissionais, com os companheiros de trabalho. Ao longo dos anos vamos colecionando pessoas, nos mais diferentes campos do cotidiano. Dezenas, centenas, milhares de indivíduos. Se nós viajamos ou moramos fora do país, ainda colocamos no nosso grupo de conhecidos, gente que fica distante dos nossos olhos quando voltamos à terra natal.
Eventualmente a morte elimina um ou outro.
No meio desta trajetória nos apaixonamos, casamos e temos filhos; um, dois, três. Eles crescem e trazem seus amigos para dentro da nossa casa que, nestas alturas, não é mais a casa dos nossos pais.
Hoje fiquei pensando em como podemos lidar com tantos relacionamentos. Me lembrei, então, da minha bisavó e avós, tanto materna como paterna. Meus avôs eu não conheci. Já tinham morrido quando eu nasci. Meus tios, oito da parte do meu pai e dois da parte da minha mãe. Dos primos, trinta e cinco. Casados e com segunda geração de primos.
A pergunta que faço é: o ser humano teria capacidade de manter todas estas pessoas, convivendo no mesmo nível de intimidade? Não. Com certeza. O que acontece então? Como na natureza, só os mais fortes sobrevivem, há uma seleção automática que envolve, provavelmente, a afinidade e a profundidade dos laços que nos unem.
Alguém, um dia, me disse que a memória humana é como a memória do computador. Cada vez que você acrescenta um dado novo, automaticamente ele elimina outro, de menor importância, ou mais antigo. Me dei conta, finalmente, da quantidade de pessoas eliminadas da minha vida, mas que não morreram. É assustador. Como pode ter acontecido isto?
“Longe dos olhos, longe do coração”, diz o ditado popular. Ao mesmo tempo, há outro que fala exatamente o contrário: “Longe dos olhos, perto do coração”. Este último deve ter sido inventado para confortar os namorados que, por algum motivo, são afastados da convivência. Não sei. Gostaria de entender as razões misteriosas que o nosso sentimento por alguém vai sendo modificado até o esquecimento total. Os aniversários são os primeiros a serem ignorados. Antigamente havia o hábito dos cartões de Natal e, pelo menos nesta data, as pessoas se faziam presentes na lembrança. Agora, quando os Correios já não são a mesma instituição séria e infalível, e o computador substituiu a comunicação entre as pessoas, nem o Papai Noel faz este milagre.
Quero, nesta crônica, reverenciar os meus queridos: pais, avós, tios e primos, colegas de colégio, faculdade, cursos diversos, amigos e vizinhos nos diferentes lugares que morei, parentes distantes que já foram próximos, médicos e terapeutas que se tornaram importantes, religiosos e leigos da minha vida. A todos eles que me marcaram, digo que esta marca foi feita no fogo do amor e, embora não convivamos, estão no meu coração para sempre.
Petrópolis, 27 de maio de 2010