Saudades que me faz viajar no tempo!
Era dia de domingo. Do rádio antigo de madeira saia um som irritante de locutor de futebol, e uma música deprimente que ainda hoje toca nas rádios da AM quando tem jogo do Brasil.
A mesa que acomodava o rádio era uma prancheta de desenho , grande e de madeira, e nela ficava uma luminária de ferro verde clara . Eu gostava tanto de me sentar no banco e ficar desenhando ali. Era o escritório do meu pai.
Ele gostava de ouvir o futebol aos domingos, mas a um chamado de mamãe e ele logo vinha.
O domingo era o dia de passearmos, íamos para o Derby ver o peixe boi naquele tanque de água escura. Como eu amava ir lá. Como eram gostosos esses passeios aos domingos, pois estávamos com os nossos pais. Que alegria , que felicidade estar na companhia de papai e mamãe, que coisa boa era brincar e ver os dois ali juntinhos da gente, participando. Como era bom olhar e vê-los de mãos dadas caminhando logo atraz de nós.
Ao chegarmos na praça a primeira coisa que papai dizia era para não pedirmos para comprar pipoca. Mas não adiantava, sempre pedíamos, e ele sempre comprava.
Que tempo bom meu Deus, que tempo maravilhoso. Não tínhamos luxos, mas eu era a criança mais feliz do mundo. Eu tinha meus pais. Eu não precisava de mais nada para ser feliz, porque eu tinha meus pais, ali, cuidando, amando, dando carinho , passando segurança, orientando,participando. Eu tinha uma família de verdade.
Chegavamos em casa, cansadas de tanta brincadeira, jantávamos todos à mesa e depois tínhamos hora para deitar. Existia obediência, e como isso era bom. Como era bom saber que existia o “não” para podermos aprender o que é certo ou errado.
Oito filhos, dez pessoas em uma casa de piso de cimento. Mas, meu Deus, como éramos felizes! Eu tinha um verdadeiro “Lar”.
Lembro-me hoje com uma gostosa nostalgia, daqueles dias de festa. São João, Carnaval, Natal, nada passava em branco, para cada festa de calendário, havia uma comemoração a altura. No São João colocávamos balões coloridos nas lâmpadas. E eu não via a hora de anoitecer só para vê-los coloridos à luz da lâmpada. Bandeirinhas feitas de revistas, correntes de papel de jornal. Que linda que ficava nossa casa. Depois vinha o teatro, um irmão vestido de padre, os noivos e os convidados, eu e meus irmão assim brincávamos. A sobremesa da festa? Era pudim de grude com Nescau. Ô tempo bom! Quanta saudade me traz!
No Carnaval? Ah! Um tonel grande cheio de água para brincarmos de mela mela, e não podia faltar o talco. Só nós, eu e meus irmãos.
No Natal , os pratos enfeitavam a mesa, mas tudo muito simples e muito gostoso. Rabanadas com açúcar e canela, frango assado, bolos (tinha que ter um com passas), arroz com lentilha, refrigerante, azeitona( que tinha gosto de Natal )porque era o único dia que comíamos. Tudo era feito com tanto amor e carinho por minha mãe, que não tinha como não ser maravilhoso.
Saudades que tenho desse tempo , onde tudo era bom de se viver. Tinhamos os nossos pais. E eu era a pessoa mais feliz do mundo, porque eu tinha um lar, coberto de amor, de carinho, de respeito, de atenção,de presença. Com tudo isso aprendemos a sermos quem somos hoje, pessoas de bem.
Como era importante ter minha mãe sempre pertinho , nos momentos alegres e nos momentos em que nos encontrávamos doentes. Alí, cuidando, zelando , noite e dia, dia e noite, mesmo estando cansada e exausta, mas sempre fazendo o seu papel de mãe, com um amor incondicional.
Como era importante ter meu pai presente em todos os momentos quando ele estava em casa. Nos chamando para sentarmos todos à mesa nas horas das refeições. Beijando nossas cabeças quando saía para o trabalho.
Hoje, não temos mais os nossos pais aqui pertinho de nós , mas temos eles guardados dentro dos nossos corações, dos oito filhos que um dia esperam reencontra-los.
Saudades de vocês mamãe e papai. Eu os amo!