AURORA
Deusa do amanhecer, filha dos titãs - Hyperion e Theia - irmã do Sol (Helios),irmã da Lua (Selene), mãe de
Emathion e Memonn, esposa de Astraeus, por quem suportou as estrêlas e os ventos.
Deusa do alvorecer, a quem os romanos chamavam "Aurora" (Eos), que brilha a todos que estão sôbre a Terra e
sôbre os imortais deuses que vivem no vasto azular do firmamento.
Aurora,minha mãe, que desapareceu como as fadas grifando o céu em luz , tão estuosamente, em sua passagem!
Deixaste para mim, em vida,uma linda carta cuidadosamente por ti guardada em teus pertences. Nela,faz-me um pedido: o desejo de assimilar o artifício da eternidade das pessoas através de seus pertences. A carta em questão, meu amor,foi escrita por ti em 04 de
setembro de 1980, um sempre setembro em nossas vidas! No papel,
há resquícios de lágrimas amarelas do tempo, manchinhas indesejáveis,
denúncia voraz de Chronos: porque estamos todos passando!
Dizes,tão docemente,em tuas linhas,que quando vovô se foi, dias após,foste fazer uma arrumação em seu guarda-roupa e,de uma calça marron caiu um pente que ficou contigo.
O lenço, tu dizes que ele ti deu, ainda em vida. Falas que o que restou de teu pai foi uma certidão, um lenço, um martelo. Que tudo por fim,irá rarear: o pente se desmanchará, que tudo se acabará,mas,nunca a saudade que teu pai deixou! E, completas:"Não morre nunca quem saudades deixa!"
Pedes que eu guarde esta carta quando tu fores, que eu guarde tudo que é teu! Leio e releio, e estás viva em mim, guardada para todo o sempre. Não compreendo o silêncio que
abraçastes , a tua luta travada pela vida, um ano, o teu sofrimento netuniano! Perdida, eu, por entre diagnósticos errôneos, por aqueles
que não honraram o juramento de Hipócrates, o tempo, o tão famigerado tempo escoando por entre nossos dedos! Busquei uma metáfora para a tua doença. Não podia ser verdade. Eu nã queria acreditar quando levavam-me para saguões ,noticiando-me horrores!
Lembro-me,naquela,terça-feira de carnaval,
há um ano atrás,quando tudo começou com a palavra "contratura".
Apenas,uma contratura! Não queria te deixar numa sala gélida,sozinha;
éramos inseparáveis,siamesas. Entrei, sob a autorização de que faria
a mesma pose radiográfica, e, assim, junto a ti,abrimos os braços em cruz! Eu cheirava teus lindos cabelos castanhos,encaracolados, e,baixinho dizia, que daria tudo certo, que não tinhas nada demais!
E, por um êrro diagnóstico "nada havia em teus pulmões"!
Fomos para casa,infestadas por chuvas de confetes cor-de-rosa, embarcando num táxi,mascaradas pelo engano!
Dois meses depois, tua dor misteriosamente,voltou e...
Mãe, tu me chamas em sonhos, eu te chamo em todas as minhas horas,não há sentido em nada , nunca mais haverá!
Ficamos aqui, eu e teu amor,meu pai, sessenta anos de cumplicidade!
Só nós dois sabemos a dor que rasga nosso íntimo! É difícil levar flores para ti! Tu és fada, tu és Aurora, reluzes em nós, e em todos que passaram por tua vida!
Mãe,somos assim, um éter de promessas,de premissas diante de uma fração de segundos da existência , perpétuos nas saudades imperméaveis que nunca passam dentro do coração!
Minha mãe, a mais boreal de tôdas as Auroras,estamos em contínua emboscada sem conhecer o dislate das
surprêsas súbitas, sob o signo inconcusso do destino,no jejuar das esperas.........
(Do livro "Nós, mulheres"
Volume 8 - Editora Oficina do Livro
São paulo - Página - 97 - 2009 - SP)