Província dos Mares Tranquilos, abril, quase trinta, de 2010.
Maceió, Província dos Mares Tranquilos, abril, quase trinta, de 2010.
Meu tão querido bem,
Aqui estou eu em um mais quase trinta de abril aborrecendo-me com o fato de estar tão distante de ti quanto dos outros mares que não me banharam. Há, porém, uma idéia geral de que as águas dos mares, exceto o mar morto, são as mesmas em livres trânsito. Pois bem, distante de ti quanto do mar morto, ainda te escrevo na vaga e suposta esperança de que, de algum modo, o leias no firmamento.
Aborreço-me grandemente. Mato tuas saudades nos livros pois que deles também tenho saudade e os releio de vez em quando. Como na saudade dos livros, leio teu rosto em meus sonhos, mergulho na morenez suposta das tuas mãos que são mais faladeiras que a tua língua e me comunico com você por uma telepatia incompreensível aos demais.
Queria que me bastassem esses contatos telepáticos, e me bastam nos sonhos e nos devaneios enquanto corro os olhos pelas letras e mergulho nas idéias escritas por outros, mas não me consolam quando estou irremediávelmente presa nos afazeres tediosos do dia a dia, na cruel necessidade mecânica de providenciar limpeza e alimento, que me prende ao chão e aos insuportáveis aromas e "cheiros".
Você sabe como eu odeio aromas e "cheiros"! Terríveis, por que não se pode subtrair deles, a menos que não se respire, o que já provei ser impossível por causa da carcaça em decomposição que carregamos aqui. Cheiramos...é tão deprimente...seja comida, desinfetante ou sexo; a vida só é possível se nos tornarmos íntimos dos aromas e dos "cheiros", mesmo contra a nossa vontade.
Estou divagando, você bem sabe que esse hábito pernicioso irrita a todos, menos a você, que suponho, considera bem normais minhas divagações. É por isso que sei que você entende quando falo assim, dos aromas de dos "cheiros", para falar da vida espezinhante da arte em que me vejo.
Queria poder estar de novo nos seus braços, nesse pecado doce a que nos entregávamos egoisticamente. Tive que aprender a dividir-me e você a ficar sem mim, tivemos que aprender que no mundo há outros e que estes outros também são importantes. Você teve que aprender a não destruir o que me incomodava e eu a incomodar-me sem apelar para sua ânsia de destruição.
Mas, a saudade é tão imensa como esse oceano astral que nos separa e que não há navio capaz de transpor, tão denso e fundo quanto o abismo em que nos perdemos juntos.
Ainda me pergunto se valeu a pena renunciar a sua presença em troca de luz, vez que tenho certeza que mesmo na bruma negra e acre em que me vi envolvida sua presença era como o sol de primavera.
Talvez eu tenha renunciado a você para que você pudesse ver a luz; talvez eu tenha consentido em te abandonar para que você, com a liberdade que a minha ausência te dá, pudesse ter direito a ser você mesmo. Mas, saiba que ainda que seja assim eu sinto sua falta todos os segundos da minha vida e em todos os alentos da minha respiração, e que espero, um dia em que me seja consentido - sei que você estranha essa minha obediência e consessão - estar com você eoutra vez, megulhada nos teus braços como em um mar de tranquilidade.
Discutiremos as rotas astrais, partiremos juntos numa excurssão que se destinará a reconstruir as aldeias que devoramos, alentar àqueles que por mim foram espezinhados e devolver a glória e a esperança daqueles a quem você tirou tudo, desde o corpo até a alma.
Éramos tão tolos, meu muito querido, acreditávamos nessas fugazes visões da glória sem perceber que para nós apenas nós bastavamos.
Nesse quase trinta de abril eu me despeço, com mil beijos devorados à luz desse luar que talvez nos ilumine os dois e te penhoro minha saudade imaculada.
tua, sempre tua, apaixonada