ENCONTRO

É sexta-feira, 26 de Março
Ellison 816B é o número do meu quarto.
O meu companheiro de infortúnio é um cavalheiro de Mathuan, alto e magro de razoáveis bigodes, que foi submetido a uma operação cirúrgica do tipo cardíaco, que folga com as enfermeiras todo o dia e berra de dores toda a noite. Não sei muito bem onde é Mathuan, mas deve ser relativamente perto porque a mulher vem cá todos os dias.
Senta-se na borda da cama dele, olham-se muito e dizem-se pouco. É um dialogo de silêncios, mas intenso, sólido, cheio de suspiros, de mãos que se procuram e que se encontram... O nome do homem é Mr. Gold, que assim lhe chamam as enfermeiras, dela não sei o nome que tem que as poucas vezes que ele a chamou que eu ouvisse, tratou-a por Honey, simplesmente Honey .

As razões desta minha estadia aqui toda a gente sabe. Vim fazer três bypasses, não sei se é assim que se escreve nesta floresta de barbarismos que é o anglo-saxónico e não sei como se chama na língua do Homero dos tempos modernos. Sei o que foi que me fizeram. Tiraram-me veias das pernas e com elas ultrapassaram bloqueamentos nas três principais artérias que irrigam o meu coração...(talvez se lhe pudesse chamar enxerto, na linguagem pomarista ou garfo não sei...) o que sei, e sei dum saber de experiências feito, é que me abriram o peito a serrote como se eu fosse como se eu fosse uma carcaça num açougue, me fizeram os acima mencionados enxertos e me fecharam de novo com agrafos de metal.

Enquanto cá estou, tem vindo a acontecer grandes coisas no outro lado da vida, nas Flores. O processo de venda da casa de Santa Cruz está quase completo. A mudança fê-la o Carlos. Aquele Carlos é uma jóia de moço.
Tenho pena de deixar a minha casa de Santa Cruz, mas compreendo que é mais uma volta na estrada da vida que tinha de se fazer. Agora quando voltar às Flores, no verão que vem iremos morar na Casa da Costa. A casa da Costa foi construída toda em pedra por meu avô há mais de um século, foi lá que nasceu meu pai e meus tios e tias, e até a minha irmã mais velha. A casa estava transformada num palheiro quando há cinco anos lá voltei. Tenho andado a recupera-la e agora passa ser a nossa casa de verão.

Aqui no Mass General está tudo a correr bem. Já fiz amizade com vários funcionários de cá especialmente com a Zilda, uma jovem e bonita mulher brasileira, que me vem falar naquele português doce e quente que é o do Brasil.

O meu companheiro de quarto parece que quer dormir e eu vou fechar a luz.