CARTA A MEU PAI
Pai, muito em breve completarão dois anos de sua partida... o tempo 'voa', e nós nem percebemos! E são só nestes momentos, quando a saudade 'aperta', é que nos damos conta de que o tempo não para – nem para nossa felicidade e nem para nossa tristeza. Ele não para, não volta, e nem acelera! Quisera eu que ele 'voasse' quando eu choro, numa tentativa de antecipar o fim desta tristeza que consome! Quisera eu que ele parasse e eternizasse minhas alegrias e que momentos sublimes nunca mais acabassem! Quisera eu que ele voltasse ao passado, para aqueles momentos ‘escolhidos a dedo’... Mas não é assim, o tempo não é nosso escravo – quizas seja o contrário.
Mas onde estás agora, meu pai, já estás liberto do tempo – pois ele é apenas mais uma ilusão desta nossa vida material. E para você, tempo, distância e espaço não mais existem; e talvez seja por isso que, mesmo contrariando todas as racionalidades a que estamos condicionados, eu consiga te sentir aqui, tão perto de mim. E consigo também te ouvir, pois você me fala pelos sentimentos, e desta forma as palavras não são mais necessárias para expressar aquilo que o coração reconhece.
E você me diz: “Viva minha filha! Viva! A minha aventura nesta terra já acabou, mas a sua continua. Agora é a sua vez, por isso viva cada dia e saiba que sou mais um espectador desta sua aventura – que é a sua vida. Não perca seu tempo pensando na morte, enquanto a vida corre ‘bem debaixo do seu nariz’. Viva, minha filha, que seu tempo é agora!”
Pai, como bem sabes, sempre fui uma boa filha, e por isso lhe digo meu pai, que desta vez também vou lhe obedecer. – Sim, eu vou viver e serei muito feliz!
Chegou enfim o momento de dar fim à essa tristeza que me acompanha, sempre escondidinha em algum canto no fundo da minha alma. E de repente sinto que tudo está bem novamente; é uma sensação súbita de paz e serenidade que me invade, como se enfim uma compreensão maior tenha me atingido. São emoções que falam mais do que qualquer palavra, e falam diretamente ao coração.
Você me diz, meu pai, que a morte não existe, que devo acreditar que você está bem ao nosso lado, e que se não o vejo é apenas porque o corpo físico limita essa percepção do espírito. Mas você também me diz que é necessário que seja assim, pois nós, ainda encarnados, devemos mergulhar nesta ilusão da vida material, e acreditar que ela de fato é real; e assim, devemos viver, pois é vivendo que aprendemos o que nos falta; é vivendo que provamos quem realmente somos. E chega um dia que todos são chamados a abandonar este mundo de ilusões em que estamos inseridos, e então, livres das ilusões da matéria, teremos outras percepções e poderemos enfim enxergar o “quadro maior de Deus”; e só então entenderemos o porquê de certas situações desta vida pela qual passamos. Assim, você me diz que a morte não é o fim, é apenas a libertação das ilusões: ilusão do dinheiro, ilusão do status, ilusão do poder, ilusão das necessidades físicas. Ilusões que não existem na vida verdadeira em que você agora está. E já estando livre destas ilusões, você nos assiste em nossas “lutas” diárias e pessoais, torcendo pelo nosso progresso e aguardando também o dia de nosso reencontro, quando enfim “o jogo” – esta “brincadeira” que é a vida – também acabe para nós, seus filhos.
Ah, se todos soubessem isso, quanto sofrimento seria evitado! A luz do conhecimento traz a paz e a certeza de que tudo é mais simples do que imaginamos. Então, chega de lágrimas, e viva à vida! Se queres que eu viva, meu pai, lhe digo que viverei; e lhe digo ainda mais, digo que seguirei seu conselho e farei desta vida algo extraordinário, da qual terás muito orgulho desta sua filha. E quando o tempo implacável passar, e enfim vier o momento de também me libertar em definitivo das ilusões, sei que estarás à minha espera o seu sempre amoroso abraço de pai; e como anfitrião, me receberás neste novo mundo onde a vida é de fato verdadeira.