QUERIDA ÍRIS
Hoje, domingo, estás comigo. Teus pais viajaram para visitar a tia Lígia, que está adoentada e ficaste comigo no sábado, hoje e amanhã. Acho que vais ler esta carta, então vou escrever com palavras bem fáceis de entenderes. Vou te contar uma coisa que deves lembrar um pouco.
Quando começaste a falar – e começaste bem cedo, com menos de um ano – não sabias dizer meu nome. Então, para facilitar eu dizia assim: I – vo – ni – ta e repetia: ta – ta, foi aí que começaste a me chamar de Tatá . Eu adorava isso, pois foste a única neta a me dar um apelido carinhoso. Pena que, desde os seis anos (ano passado) começaste a me chamar de “vó” ou “vovó”. Aí eu fiquei pensando que era só mais uma vovozinha e não a Tatá especial.
Já que falei na tia Lígia vou contar umas coisas dela quando a gente era bem pequena. Ela era bem loirinha e tinha cabelos com cachinhos e era muito bonitinha. Não falava com estranhos e se escondia atrás das pessoas grandes quando alguém queria conversar com ela.
No tempo que eu contei sobre a Gelatina – a gatinha que os meninos queriam matar, lembras? – a gente morava bem longe do lugar onde se “tomava” os bondes (era assim que se dizia).
Então, sempre que a gente saía tinha que caminhar bastante e passar numa chácara muito grande que tinha muitos bambus na beira da calçada. Como ela era pequeninha ( dois ou três aninhos) e queria colo, nossa avó Mimo e os adultos diziam que naquelas taquaras morava um bicho-papão chamado Champinhon que pegava criancinhas choronas. Eu tinha a tua idade e acreditava naquilo e passava ali bem quietinha, louca de medo... mas eu acho que a Lìgia bem que ganhava o seu colinho.
Outra coisa que eu lembro dela, também por causa de pedir colo, é que ela vinha na frente das pessoas, com os bracinhos levantados e eles diziam: ali no poste tu ganhas colo. Cada vez que chegávamos num poste a promessa ia para o próximo até que ela berrava prá valer – mesmo com medo do Champinhon.
A minha madrinha Dalva cantava assim: “champinhon, minhom, minhom, vou te dar um beliscom”...
Lembrei de outra coisa: Lígia ganhou, uma vez, um daqueles banquinhos de madeira. Claro que ela cresceu e o banquinho continuou pequeno. Um dia ela se queixou: “ puxa... este banco tá muito pequeno. Só cabe uma bunda...”.
É, assim o tempo passou, a gente cresceu, hoje está velha, mas as coisas boas de quando éramos crianças ficam na lembrança da gente. Tenho tantas coisas prá contar...
Um beijo da tua Tatá
Fpolis, março de 2010