O que eu teria escrito na primeira página do teu caderno
Cansei de estar neste canto, calada, estranhamente silenciosa e devassa. Olhando para tí com os dentes em serra sangrando os lábios finos e inertes. Vagando pelo teu arfar de encanto e angústia, tentando tocar o vazio de tua existência à minha. Não há. Nem haverá. Só um oco de palavras: boas noites mordazes, talvez. É o meu ópio. Num momento a tolice da proximidade, n'outro a perspicácia de encontrar-me a mais tôla das mulheres: quase irracional.
Sonhos, também, perpetuam e nutrem esta alma que se não padeceu a tempos, inda carece de certa correção psíquico-emocional-pé no chão.
Há tempos que não escrevo sobre a bailarina, propositalmente frágil, mas carnívora e sorrateira. Tem seu amado em falsos e destes se contenta. Como borboleta que alegre a oscilar não sabe contar os finitos e passageiros dias de sua existência.
Também não consigo contar. Teu olhar entra como um tiro potente, quase fatal. Não me mata porque me alimenta para sonhar mais e ter a mais breve e aguda das esperanças.
Um dia, ainda, nos encontraremos numa chuva densa, dessas que lavam os pecados e as dores. Teus beijos serão meus instantes de borboleta. E teus olhares, efêmeros mortais. Pois se antes não matavam-me, nestes instantes de volúpia poderei, enfim, morrer como a mais feliz e sóbria de todas as mulheres.