CARTA AO AMIGO MILTON

Areia Branca, B.R, 23 de Fev 2004

Amigo Milton,

Todos os meus textos, sejam eles crônicas, poemas, contos, ensaios ou as cartas (que quase sempre não chegam a ser enviadas, ficando arquivadas na pasta “Cartas Guardadas Sobre a Guerrilha Interna e Urbana”. Quem sabe viram livro algum dia?), tem ou trazem, a minha impressão do Reinado de Fogo que vivemos, do basicamente real e do absolutamente real.Esses textos são as sinceras declarações de uma mente com coração e apresentam ao outro (o que recebe ou receberia a carta) com grande nitidez minha memória emocional e o quanto desci ou subi nos degraus da escada da consciência e do amadurecimento sobre todas as coisas.

Não poderei dizer que minha consciência é um universo real, ela é ideológica, passível de contestação portanto. Eu universalizo o conflito (e esta palavra não quer significar aqui, briga ou contenda), ou seja, tomo posição. Transformo minha opinião (que pode mudar) em partido. Para alcançar a verdade, devemos assumir um lado.

Assim, como dizia acima, meus textos estão repletos do meu Eu Ateu. É fato. Não acredito mesmo em deus (Jesus Cristo para os cristãos, Buda ou Maitreya para os budistas, Alá ou Imam Mahadi para os islâmicos, o Messias para os judeus, Krishna para os hindús, etc) e no que o homem, talvez a partir da universalização das formas de pensar - o criou (Paulo, no caso específico do cristianismo, Mahakassapa no budismo de Gautama). Para mim uma das piores criações da humanidade foram à religião e a Igreja, esta, conseqüência da primeira.

Não gosto de explorar este tema em conversas (É muito fácil ofender ou criar inimizades com este tema). Apesar da minha condição atéia e talvez pela minha formação (História), estou sempre embrenhado no estudo e na pesquisa cientifica das religiões, buscando entender o homem, a edificação social e a ruptura desse processo. Gosto de estudar as religiões para embasar minha tese atéia e também para entender como foi formada a lógica coletiva do judaísmo, do cristianismo e do islamismo (nascidas do mesmo braço) e também as demais orientações religiosas orientais, africanas e afrobrasileiras . Lógicas que transcendem a posição particular do “Eu”. Do um. Estudo que ainda não chegou a formar em mim uma intelectualidade que permita discussões baseadas em uma tese com força de defesa e de ataque. Aqui, em mim, mora um burro.

Porém...

É fato que vivemos hoje, uma posição radicalmente oposta a do trinitarismo medieval. Hoje, o homem coletivizado é regido pelo Partido ou pelo Estado. O Partido pode ser a igreja e desdobrar-se ainda em outro partido que a igreja acolhe.

Existe uma marcha, um processo de desespiritualização e de materialismo, com exemplos espalhafatosos. Posso afirmar que o materialismo tem nos conduzido ao desumanismo (vide noticiários diários de rádio e tv) e a ostentação religiosa (vide catedrais e demais luxos).

A ascensão dos mitos tem tomado o homem. O deslocamento do sentimento místico de adoração a deus, invade as igrejas, aos partidos e ao Estado. Ascendem os ídolos modernos – Titãs – O poder, o dinheiro, o luxo...

O que é isso?Falta de deus? Ou será a transformação de uma crença, conceito ou Amor Verdadeiro – Universal Love – em “o que é necessário para subverter e crescer”, a igreja e as religiões contemporâneas?.

Amigo Milton, não conheço nenhum evangélico, crente ou cristão próximo a mim, mesmo católico, que esteja a altura de tua conversa. Ela, a conversa, mesmo enquanto chata por levar-nos a um deserto (ideológico, criador de mitos e simulacros da realidade) - Contigo, eu topo (não por muito tempo. É lógico).

Interessante, calma. Bonita. Como é você (lembra de quanta porrada já demos um no outro por causa do Hernandes e do Ediarte??)

Por favor, não infle, pois eu disse, eu não conheço. Espero ainda conhecer muitos.

Bom, retomando e partindo da introdução que é uma boa provocação e do elogio a você, que é humilde por ser mais uma opinião que um tratado de reconhecimento, entrarei no mérito adjacente desta.

A neutralidade diante de posicionamentos conflituosos não une;

O que une é a universalidade do conflito. A tomada de posição;

No interior de um conflito será onde irá ou deverá surgir um processo solidário;

Será a potencialização deste processo solidário à volta por cima. A salvação. A verdade que nos tornará mais felizes e eficazes no ato de abraçar e na produção do Universal Love;.

Não é preciso, enfim, ser cristão para abraçar e amar. O não ser (cristão) é uma tomada de posição.

Até aqui nada de novo, com relação às opiniões que sempre defendi, apenas estão aqui, embasadas nos recortes feitos ao texto de Slajov.

O ataque que sucede ao elogio, chega afinal:

Para a tradição judaico cristã, o homem deve superar sua posição particular. A produção e o talento do um não deverá ser imanente. Servindo somente ao Eu. Ela, pela ética judaico cristã, deverá transcender ao Eu e a sua posição particular;

Transcendendo a posição particular, haverá a anulação da identidade particular;

A anulação da identidade particular que é o Eu. É a morte do Eu;

Matando o Eu, na anulação da identidade e vivendo a tradição judaico cristã, o homem, o Eu, renascerá na fé;

Renascer na fé é um ato simbólico. Um pacto;

Um recomeço revolucionário, já que buscará a transformação do edifício social, tão rompido e corrompido;

Temos aqui, uma universalização, baseada no renascer – E um novo conflito, um novo posicionamento. Uma tomada de posição que irá preceder o surgimento de um processo solidário;

Será a potencialização deste processo solidário e...

Não é preciso ser ateu ou cristão para abraçar e amar: O ser é uma tomada de posição.

A igreja cristã – católica, nasceu assim, da solidão do homem, que foi deixado sozinho com a morte de Cristo na cruz. Esta igreja, é a promessa de uma volta, representa essa esperança. É a casa do espírito santo (reproduzo aqui o discurso dos teólogos).

Essa casa, nascida da solidão, cresce e permite o aparecimento de uma coletividade revolucionária – judaica, cristã, islâmica.

Todo esse processo é o oposto do hoje. Da solidão, renasceu o homem em fé, renascido doa-se ao corpo da igreja e em conseqüência ao espírito santo, que tem ali morada.

Hoje, percebo a existência de identidades particulares. O Eu volta a ser forte, tanto imanente quanto transcendente.

Talvez a culpa esteja na reforma, no surgimento da igreja protestante, nos luteranos, nos calvinistas, na “ética protestante, espírito do capitalismo” – na salvação particular, pela fé, pregada pelo puritanismo e expressa no American way of life, e na frase self made man

Veja você, olhe-se no espelho, pense no que representa, pense em sua conversa. No quanto eu gosto dela e o porque disso. Se existissem em seu mundo vários Miltons, o processo de universalização, de tomada de partido, seria mais forte.

De forma particular, Eu, Tu, Ele, todo o potencial revolucionário legado pelo cristianismo, cede, cai, racha.

A morada do espírito santo, retorna ao Antigo Império Romano. E tanto quanto todas as instituições, porcas, sujas que formam o Estado – Ajudam a perpetuar o império de fogo que vivemos com a negação de deus (que pode ser o universal love, o abraço e o beijo) em cada ação. Adoram o mundo, o poder e o dinheiro.

Vivas a você Milton. E a nossa amizade!!!

P.S:

Esta carta foi totalmente escrita em fevereiro de 2004, como mostra a data do cabeçalho, foi quase totalmente digitada a partir desta data e terminada, hoje, madrugada de 11 de maio de 2005. Pelo tempo, nada a há que mudar, pela última conversa é necessário acrescentar:

Intrigou-me a contradição a que você se entregou, quando disse em detrimento a uma afirmativa minha, que relacionava o que você considera força, e/ou demonstração de poder divino com “energia”. Você disse que prefere acreditar que o que eu considero energia (e o faço pela possíveis explicações que a ciência moderna através da física, matemática e outras linhas de dedução explicam ou tentam explicar) é deus, e disse ainda, que prefere catalisar em uma pessoa (ente?) esta força pois é uma direção referencia para você;

Até ai, tudo ok, continuamos no campo ideológico – nosso deserto particular de opiniões, passíveis de contestação;

c) Depois você alega que, deus está no amamentar , no beijo, no abraço (afirmações mais dentro da sua linha de raciocínio e sobre o qual discorro por quase toda a carta)...não há um ente, ser ou deus personificado, humanizado ou espiritualizado, nestas ações – existe ali, o carinho e possivelmente a pureza, símbolos com os quais identificamos a expressão divina. É um signo, a palavra deus, com significado que pode estar traduzido nas ações as quais você se refere;

O ser ao qual você relaciona e envia seus pedidos e agradecimento ou é matéria espiritual ou é ato de entrega, pureza e amor – universalizar de acordo com sua preferência e de conformidade com sua necessidade de argumentação é covardia, é criacionismo – não é solidário.

Existem verdades relativas, absolutas e universais...

De seu sensível e ainda menino amigo, Sylvio Neto – O cara mais burro do mundo – posto que não aprendeu e não conseguiu até hoje, ganhar dinheiro e acreditar em deus...

Sylvio Neto
Enviado por Sylvio Neto em 01/06/2005
Código do texto: T21190