Bilhetinho para Deus

Bilhetinho para Deus

UM POBRE DOENTE NA FILA DO HOSPITAL

Meu amado Deus. Ando triste e até sem vontade de continuar aqui, a coisa anda de mal a pior, tudo aqui está muito diferente, meio esquisito, fora dos padrões, quer dizer fora da moral, dos bons costumes, aqui já se foi à dúvida do certo e do errado, o importante é ter e não ser, o ser já significa nada há muito tempo e não sei mais o que fazer, continua a dúvida até mesmo em você, Deus. Eu às vezes desconfio, tem tanta desgraça, tanta maldade, tanta gente inocente sofrendo e morrendo por tão pouco, que eu não consigo entender, até depressivo eu fiquei, com medo de tudo, de carro, de ônibus, de metrô nem pensar, não assisto mais notícias desagradáveis porque elas entristecem-me deixa-me caído, depressivo, às vezes penso que é covardia, mas nisso não quero mais falar, não vou ver mesmo, resolvi assim, cada dia é uma coisa diferente, crianças são assassinadas e às vezes pelos próprios pais, que horror, o senhor não acha? Mas se acha e tenho certeza que acha, porque deixa? O povo sofrido, sem comida, e saúde nem pensar a educação já se foi, o povo morre nas filas dos hospitais, as crianças não estudam porque não tem professores e muitos vão à escola pra comer, mas cadê a comida que o governo prometeu e disse que têm, eles, os políticos são pragas, ervas daninhas que danam a matar o povo seu, as exceções ficam desacreditadas, por quê? Eu acho que somos todos iguais ou será que estamos enganados? O senhor sabe, só não quer dizer, porque o senhor não faz alguma coisa e para com essa matança, eu sei que agente morre, mas isso poderia acontecer só quando agente ficasse velho, que tal com cem anos, mas morrem criança todos os dias, principalmente nos hospitais públicos, porque no particular é diferente lá agente paga e o que eles querem mesmo, é o dinheiro, ué eles não juraram cuidar da saúde das pessoas, sejam elas quem for? Mas o Senhor sabe que nem pra cara da gente eles olham principalmente se for público.

Deus, eu queria mesmo era voltar a ser criança para ser feliz, como era bom, não tínhamos preocupações, só pensávamos em brincar, o mundo ao nosso redor era colorido, como o arco Iris, aquela mistura de cor que formam todas as outras eu só não gosto do preto e do roxo, e agente acreditava nessa mentira agradável que no fim do arco havia um pote cheio de ouro, mas nós não queríamos o ouro, só queríamos ver o pote, as mentiras às vezes agradam as crianças, menos aquelas que cantavam e contava pra gente, boi da cara preta, Saci-Pererê, mula sem cabeça, agente nem dormia de tanto medo que dava, nós queríamos era brincar e nada mais, mas isso foi lá atrás, e agora sei que não volta mais.

Deus, eu tenho tanta coisa para te contar que preciso dividir em etapas que agente chama de capítulos ou pode ser contos, é, eu acho melhor contos, mas eu sei que o senhor sabe de tudo, mas vou contar assim mesmo, porque não suporto mais viver assim, tem muita mentira, mentira de religião, que eles adoram meter medo na gente, e muitas delas vivem do nosso dinheiro, tem mentiras dos médicos, se bem que aí não é mentira é uma espécie de enganar mesmo e tratar mal com desinteresse, principalmente aqueles mais humildes que usam os hospitais públicos, coitados. Entram mal e saem mortos. Tem mentiras do trabalho, da posição social que vale muito, do dinheiro, do pobre e muito mais que eu um dia ainda te conto e tem mentiras que agente chama de fábulas, essas são boas. Bem que podia os adultos acreditar, só acreditar nos contos, nas fábulas, que tem comida pra todos, quem a saúde é a mesma pra todo mundo, que os médicos tratam da mesma maneira todas as pessoas, aí sim seria melhor. Isso ainda vai acontecer? Então vê se apressa antes que eu morra... Deus é você.