QUERIDA ÍRIS (3)

Quero que saibas que estas cartas que eu escrevo para ti estão fazendo o caminho inverso de missivas normais – enquanto as outras são lidas primeiramente pelo destinatário, as tuas já terão sido lidas por algumas pessoas, quando tomares conhecimento delas.

Vou explicar: escrevi a primeira como tema para uma espécie de clube a que pertenço e onde publico minhas poesias e crônicas. Pois bem, esse clube chama-se “Recanto das Letras” e está aberto a pessoas que, como eu, escrevem e trocam mensagens. Formamos, assim, uma comunidade literária bastante interessante e democrática, pois cada um de nós se manifesta individualmente, desde que siga as normas estabelecidas.

Escrever a primeira carta foi brincadeira; já a segunda seguiu uma linha que me propus adotar, ou seja, escrever, a cada domingo, uma carta para leres quando estiveres bem mais crescida e já possas compreender certas coisas que hoje, com apenas sete anos, não podes entender.

Sabes o que resolvi, também? Contar algumas coisas sobre o que já fizeste (ou ainda fazes), pois sei que a gente esquece quando cresce. Às vezes só vai lembrar quando fica bem velhinha, tal como eu lembro agora.

Então, dadas as explicações necessárias e antes de entrarmos no assunto que prometi, na carta anterior (contar de cães e gatos), vou relembrar uma “gracinha” de quando tinhas pouco mais de um aninho de idade.

Certa vez teus pais te deixaram na minha casa para sair um pouco, à noite (aliás, fato freqüente, até hoje). Eu estava jogando “paciência” e o baralho aberto em cima da mesa. Depois dos agradinhos de chegada, tu sentadinha no sofá, peguei algumas cartas e perguntei:

- Íris, vamos jogar cartas?

E tu, ao pé da letra, pegando as restantes no sofá e jogando prá cima:

- “vamoooooo”!!!

Lindinha hein???

Bem, agora vamos aos fatos caninos e felinos, como prometi.

Quando eu tinha a tua idade ganhei um cachorrinho bem peludo, branco com manchas amareladas e ele já tinha um nome: Tibicuera, mas eu o chamava de Tibico, que era mais fácil.

Tibicuera era o nome de um índio duma história que Monteiro Lobato escreveu. Sabes quem foi Monteiro Lobato, não é? O escritor de muita importância no Brasil e que as crianças ficaram conhecendo, principalmente, pelo Sítio do Pica-pau Amarelo, com seus famosos personagens, como a boneca Emília e o sábio Sabugosa.

Mas, voltando ao meu Tibico... ele era muito medroso e bastava bater o pé no chão que saía correndo como se alguém houvesse batido ou ralhado com ele. Minha madrinha tinha outro cachorro

chamado Jup: ele era todo pretinho e no peito tinha uma mancha branca. O Jup, ao contrário do Tibico, era corajoso e, se tinha que brigar, brigava mesmo.

O que vou contar agora, é estranho, mas é verdade. Estávamos passeando – minha madrinha, Dalva, meu tio Jayme (irmão dela) e eu – junto iam os cachorrinhos. Em um ponto do lugar onde passávamos havia um pequeno açude. Era uma manhã de verão e o calor já começava a se fazer sentir.

Meu tio era muito brincalhão e, provocando o Jup, atirou um pedaço de pau bem no meio da água limpinha do açude e mandou que ele fosse buscar. Imediatamente o cão jogou-se na água e, graciosamente, foi nadando até onde estava o graveto. Tio Jayme jogou outro galho para que o Tibico fosse buscar, mas ele tremia e se escondia atrás das nossas pernas, apavorado.

O meu tio pegou o acovardado e jogou na água. O pobre animal começou a se debater, desesperado e nós, minha madrinha e eu, também, pensando que ele ia se afogar. Tio Jayme já ia entrar no açude para buscá-lo e nos acalmar, quando aconteceu um fato inesperado: o Jup, que já vinha voltando para a margem, vendo o desespero do amigo retornou ao meio do lago, deu umas voltas,

sempre cheirando o outro, como se estivesse formando um circulo de proteção, conseguindo acalmá-lo e, em seguida, trazendo-o

para a margem são e salvo.

Esta é uma lembrança que guardo comigo, como se houvesse acontecido há pouco tempo e , no entanto, faz mais de 60 anos.

Minha querida netinha, por hoje é só. No próximo domingo devo voltar a escrever e contar mais algum fato que vi – ou vivi.

Um beijo da vó Ivonita

Fpolis, 14/fev/2010