CARTA AO AMIGO, EM UM 31 DE DEZEMBRO QUALQUER
Estou só aqui, com minha mãe. Há muitos anos, todos os anos estou aqui, a sós, com minha mãe. Aguardamos, até agora pouco, o telefonema do irmão, do meu único irmão, desmesuradamente distante de nós, a alguns quilômetros, nesta mesma nossa(?) cidade. Minha mãe sente a falta do filho, eu entendo, é claro, essa falta que não posso suprir há muitos anos, mas achei que não foi justo da parte dela, minha mãe, vir me dizer ( pouco antes da modesta mas nossa ceia, em nossa mesa , com uma cervejinha sem álcool para ela, uma com álcool para mim, um champagne também modesto para tomarmos -ela, um gole- juntas, à meia-noite), ela, minha mãe, vir me dizer que queria ficar com a roupa de todos os dias. Eu retruquei: Não, isto é injusto, COMIGO e CONOSCO. Use a blusa nova que eu te comprei, ponha-se bonita para mim, que eu vou me por bonita para você.
Penso em ti, meu amigo. Penso no azul. Penso em quanto necessito repartir o pouco da alegria e da fé que consigo em mim. Reparti-los contigo. Este pão de afeto, esta ceia invisível só feita com ingredientes de afeto. O pouco que tenho, porção que luto cotidianamente para aumentar, para ter o que repartir contigo, à distância, no silêncio. Esta alegria que me dou quando tento reparti-la contigo. A alegria que só me pode persistir se eu sinta que ela chega a ti e que a acolhes como se acolhe uma pequena criança perdida em alguma rua, uma pequenina criança que levamos para partilhar a ceia em nossa casa.