“Toda carta de amor é ridícula”

“Toda carta de amor é ridícula”

BsB, 03 de agosto de 2006

Ô meu amigo, como vai essa sua força? Esse seu viver? Eu não vou nada bem, nada bem! Como diz a música de Seu Jorge e Ana Carolina. É uma dor fincada na alma, alguma coisa meio confusa, uma raridade que me espeta no peito dia e noite.

Imagine você que cheguei para minha amada, em um dia em que ela era só felicidade e, sem mais nem menos, disse, ali, na lata: __ Se você ficar comigo, vou fazer de tudo para que você mude completamente o visual. Você vai virar outra pessoa, uma mulher ainda mais bonita, mais elegante. Vou cortar o seu cabelo, vou fazer com que você emagreça meio quilo, que seu corpo seja esculpido em todos os detalhes e formas anatômicas, por especialistas do ramo. Ficará sem dúvida, uma mulher de dar inveja a qualquer sacristão. Vamos fazer o que for preciso, tudo que a medicina tem de melhor para oferecer a uma grande mulher.

Mas antes que ela fizesse qualquer coisa, fui buscar o espelho que ela me deu de presente dias atrás. Aquele... de peões de obra, que camelôs vendem em perfusão, nas esquinas das grandes cidades, já lhe falei sobre ele. Eu precisava fazer a barba, até porque estava prateada e muito rala. Esse processo, para mim, é rápido e indolor, em alguns segundos minha face fica uma beleza - irretocável. Quando, já com o rosto coberto de creme, me vi; distante, longe, apagado. Olhei profundamente em meus olhos, em minha boca, em meu bigode desgrenhado e mal aparado. Bigode que cultivo desde os tempos da brilhantina. Um verdadeiro orgulho!

Naquele momento me veio à mente uma pergunta inesperada. Sei que ela jamais faria tal indagação, sua educação não permitiria. __ E você? O quê mudaria por mim? Será que tiraria o bigode? Acho charmoso. Faria uma cirurgia plástica para desentortar o nariz? Que, mesmo torto, acho lindo!

Sem muito pensar corri até minha oficina onde guardo meus bagulhos, minhas tranqueiras. Peguei uma fita isolante, por ser preta, colei em meu bigode para ver como ficaria sem ele. Não demorou... Ah, estou parecido com um tal de Adolfo, Adolfo Hitler. Logo percebi que não era uma boa idéia ficar parecido com um alemão. Não daria certo, mas ela poderia argumentar: é tão simples... e, na verdade, é mesmo. Basta uma pincelada com o barbeador e pronto. Mas, e daí? Sem bigode vou ficar um horror, meu nariz vai aparecer demais, vou ficar mais narigudo do que já sou. Realmente esta idéia eu não poderia aceitar de forma alguma. Outra vez me olhei no espelho, agarrei-o com as duas mãos, olhei para mim insistentemente e severamente. Meus olhos estavam arregalados, mais que o de costume, confesso, fiquei assustado. Passei horas me olhando, contemplando minha estranha atitude.

Meu amigo, nem sei como estou lhe contando tudo isto, estou literalmente envergonhado, pensei até em quebrar o espelho e jogá-lo no lixo com todas essas minhas maluquices, mas ele não tem culpa, reflete apenas a realidade. Não gostaria que ela soubesse disso, por favor, não conte! Prometo deletar todos esses meus pensamentos e idéias, pois não consigo mudar nem a mim, que me acho tão feio e tão ranzinza... quem dirá mudar os outros!

Ah, meu caro, a vida é muito engraçada, eu tenho certeza absoluta que se um dia eu contar a ela, tudo isto que estou lhe relatando, eu sei até o que ela vai falar, você não vai acreditar, mas acredite, ela vai dizer, como sempre disse: meu poeta, meu poeta querido... Só mais uma coisinha, ela é a única pessoa neste mundo que me chama de poeta, que luxo!!!

Um grande abraço,

Pedro Cardoso

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 03/08/2006
Código do texto: T208177
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