Iara II

Nesta noite de calor incessante, quando deveria junto à brisa leve da relva chegar uma felicidade constante, sinto meu coração calado, sussurrando um gemido estridente que há tempos se escondia na escuridão de meu estômago vazio. Recordo com dificuldade dos teus olhos que, outrora, brilhavam e transmitiam brilho aos meus, lembro de quando sonhava com tua boca doce tocando de leve os lábios meus, e a tua pele tão clara que sonhava tocar com meus dedos e acariciar com meu espírito, agora é fria como um mausoléu centenário, e preenchida em seu interior da fria sensação de abandono e tristeza.

Como foram longas as noites em que nos deliciávamos um com o outro, imaginando noites tempestuosas com raios de carinhos e relâmpagos de amor, ouvindo o estrondoso e inigualável som dos fenômenos naturais que a tempestade de nosso amor produzia. Seus cabelos emaranhavam-se nos meus, tornando-os um só, assim como deveras fosse nossas almas.

Palavras, tão simples palavras e gestos que proferimos e professamos em nossa curta história de amor. Palavras são fragmentos que se perderam no vazio de nossos corpos sedentos de um amor maior. Se não fossem as palavras, se não fossem os gestos, se não fossem os olhares, ainda hoje teria você ao meu lado. Palavras são construções e invenções do homem, apenas lingüística estruturalizada ao contexto de uma história vivida, apenas feixes de luz que sorrateiramente penetram no escuro do nosso coração.

E se hoje permito que esse coração outrora selado com um beijo teu ou um abraço apaixonado mais uma vez bata, de forma constante, é porque verdadeiramente não eras o amor que sonhei, era porque simplesmente, nunca fomos um. Guardo com carinho as noites e os dias, os olhares apaixonados, as juras falsas de amor eterno, a loucura de cada sensação, mas basta! Não quero mais ouvir o canto de um pássaro canoro e mudo, e sentir o aroma de uma rosa inodora, nem sentir pulsar meu coração antes vazio. Quero viver não mais uma vida apaixonado, mas quero morrer, se necessário hoje, por um amor puro e sagrado.

Sagrado sim, pois o amor resiste a tudo, e se sagrado recebe a proteção do amor maior, de seu criador uno e trino. E esse amor que jorra e vive em cada artéria de meu miserável corpo é o amor que necessito pra sobreviver à morte anunciada.

Não mais chamarei-te de amor, não mais jurarei-te eternidade, não mais viverei esperando-te. Vai! Segue teu caminho e busca teus ares necessários, pois em outro jardim ei de colher meu fruto da vida.

Agora sei que não se vive de lembranças e promessas, agora vejo que nunca amei um ser amado, agora sei que não mais vou viver assim. Pois faço mim as palavras do profeta, que com franqueza soube esperar a hora certa, e quando esta chegou, reconheceu: -Não sou eu mesmo nem nunca serei dono de mim!

Nunca te amei, amor, nunca senti o que disse que sentia, me enganei a cada instante de paixão alada, nunca me amou também, eu sei, senão teria se despedido de minha vida, e do amor que senti outrora, e se era amor, hoje não resta mais nada.

Vai, segue teu rumo que já estou trilhando o meu. Vai, e se puderes um dia volta, mas não diga adeus. Vai, pois agora sim bate meu coração, se é amor? Não sei! Prefiro ficar na dúvida, e viver uma vida de amor, do que viver uma morte de paixão!

Despeço de ti dizendo que por ti me apaixonei, mas a ti nunca amei. E hoje voltasse à minha humilde e triste vida, diria que esta mandou lembranças antes de seu fim. Hoje encontrará um coração renovado, novamente apaixonado, mas desta vez, sem palavras, sem gestos, apenas amor, inigualável amor, indescritível amor, incomparável amor, inexplicável amor.

De um coração que um dia foi seu...

Até sempre!

J Neves
Enviado por J Neves em 06/02/2010
Código do texto: T2071815
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