Para Elisabeth
Para Elisabeth
Fiquei muito surpresa com a sua mensagem e também muito lisonjeada. Não entendi bem o seu pedido, ou sugestão, mas tentarei dar umas pinceladas no meu perfil:
A vida foi generosa comigo, pois tive pais e avós à moda antiga na educação dos seus. Presentes nas suas responsabilidades e carinhosos no tratamento. Acompanhavam de perto meus estudos e deveres de casa e satisfaziam a minha curiosidade infantil.
A família de meu pai, de origem portuguesa, era formada por muitos irmãos, e todos se reuniam em torno da minha avó. Os primos se espalharam pelo Brasil, mas no Natal, vinham festejar no Rio de Janeiro.
Por parte de mãe, a raiz era suíça, de temperamento reservado, e cultivavam os estudos. Meus dois tios eram engenheiros e professores universitários. Somos descendentes de dois irmãos plebeus, que combateram o infiéis nas cruzadas de Jerusalém. Quando voltaram à Europa vitoriosos, foram condecorados com brasão de nobreza e terras. Tenho muito orgulho deles. Dos dois lados eu lucrei na herança: materno, o amor pelo conhecimento e paterno, a alegria da convivência familiar.
Por uma questão ocasional de nascimento, eu era universitária na época da UNE (União Nacional dos Estudantes), das reuniões no Calabouço (era um restaurante no nível do mar, perto do Aeroporto Santos Dumont) e das greves dos estudantes, para mudar o rumo político, com o qual eles não concordavam. Fazia parte do grêmio da Faculdade Santa Úrsula, onde era matriculada no Curso de Matemática. Fui professora desta matéria durante um certo tempo. Paralelamente era também funcionária do Ministério das Relações Exteriores, até ser transferida para a Embaixada na Finlândia, em janeiro de 1968.
Este foi um período de grande aprendizado de línguas (até então só falava francês e português – é claro), de costumes e personalidades. Conheci o sol da meia noite, na Lapônia, e visitei Moscou, por ocasião da celebração dos 50 anos da revolução russa. Foi uma festa inesquecível assistida da varanda da Universidade local. Fica no alto de uma colina, de onde se avista toda a cidade. Não aprendi a falar finlandês, mas assisti na televisão de Helsinque, o lançamento da Apolo XII e a chegada do homem à lua, em 1969. Em preto e branco, é claro. Ainda falando de TV, uma noite, durante o noticiário, eu vi a cara do Presidente Costa e Silva. Sem entender o que estavam dizendo, liguei para a Embaixada do Brasil para que me informassem o que estava acontecendo no meu país. A notícia, enviada por telex transmitida pelos Correios (era a comunicação mais rápida do momento), viera cifrada e o Embaixador ainda não tivera tempo de abrir os livros de código para decifrá-la. Quem entendia finlandês pode me traduzir o que ouvira, explicando que o presidente decretara o AI-5, que hoje pouca gente sabe do que se trata. Era um Ato Institucional que suprimia os direitos políticos de muita gente, como o governador de São Paulo, José Serra e o ex-Presidente FHC. Houve a caça às bruxas do comunismo e, como eu havia ido passear em Moscou, fiquei com medo de entrar na leva e pedi para voltar ao Brasil, o que aconteceu no final de 1969.
Amo escrever e, em 2006, comecei a juntar os “retalhos” dos meus textos. Publiquei em 2007 o livro do mesmo nome. Lá há poesias, trovas, fábulas e crônicas, minha última preferência. Sou temperamental e instável neste ofício, e preciso sentir, com força, a inspiração falando alto. Posso ser motivada por PPSs que me enviam, ou por notícia de jornal que me causa impacto.
Sinto-me bem resolvida emocional e profissionalmente. Fui presenteada por Deus com a possibilidade financeira de morar numa casa, cercada pela natureza exuberante de Petrópolis, onde a temperatura de verão é agradável, principalmente se compararmos com a do Rio de Janeiro. Lá eu tenho meus cachorros, livros e discos e, como diz a canção, não preciso de nada mais. Só do seu comentário e sugestão.
Espero que tenha satisfeito à sua curiosidade e respondido ao seu questionamento. Não falei sobre mim antes porque nem sabia que tinha “leitores”. Um grande abraço e tudo de bom, nestes tempos tumultuados em que vivemos.
Gilda Porto
Petrópolis, 25 de janeiro de 2010