UM POUCO MAIS SOBRE OBERY
Caríssimo Obery Rodrigues,
Conversei a semana passada com o professor Giovanni e, através dele, estarei lhe enviando, dia 25/01, um exemplar da Gazeta, junto com um livro meu - os dois, autografados.
Sabe, uma das coisas que percebi em seus textos - parágrafos inteiros - foi a sua capacidade de inserir o leitor dentro do próprio universo do autor. E isso é um dom. Em alguns textos, eu me vi escrevendo, como fossem minhas, as crônicas: "O Espelho", "Divagações" e "Se me Fosse Dado Nascer Outra Vez". Cada uma delas, dentro daquilo que eu chamo “de ler nas entrelinhas" - e que faz com que o texto deixe de ter autor e, ao mesmo tempo, leitor, passando a ser uma interação ampla e completa das reflexões nela escritas, entre ambos -, e que transportam toda a sensibilidade que o autor nos passa.
Vi-me, por tudo isso, diante dos espelhos da vida e me fiz parte do egocentrismo criado pela figura que aparecia diante de mim, desenhada, parecendo ser eu (deixando-me quase que narcisista diante da imagem fantasiada do meu querer - "E, defronte a eles, fui acompanhando a ação do tempo"); assim, quase querendo pegar com a mão o entardecer de uma janela que dá para o Rio Potengy, eu, de novo, me vi diante de algumas frases lindas e inesquecíveis que, se não fui eu quem as escreveu, pelo menos - como diriam os invejosos - desta forma eu também saberia escrevê-las. Ledo engano esse meu.
Divagar sobre coisas tão silenciosas, ir descrevendo cada detalhe de uma vida, como se fosse uma contabilidade bancária, não é para qualquer um. É, sim, para quem consegue dizer "... quando olhei pela janela, para um céu claro, onde nesgas de nuvens de algodão estavam praticamente paradas, parecendo não haver vento para tangê-las, parecendo, até, que ele, o vento, acordara com preguiça, como eu. Curiosamente, levantei-me e fui para outra janela, olhar o mar". O que dizer disso tudo? É completar com o olhar que descansa sobre "um barco cheio de gente alegre ou de algum solitário que, navegando sobre as ondas, às vezes mansas, às vezes revoltas, buscava paz e o silêncio do mar, em busca de um porto inatingível. O mar e o céu, o sol durante o dia e, à noite, um céu cintilante de estrelas". Mais lindo e poético do que isso...
Ao mesmo tempo em que você nos faz recordar cenas do nosso cotidiano, nos faz lembrar os aventureiros que, em suas solidões de peregrinos errantes dos mares, consolam-se com o esplendor de uma noite nos árticos - somente eles e as estrelas e um mar em eterno equilíbrio com as suas divagações. Acho que é assim como se sente. Pelo menos eu imagino que seja.
E, por fim, se me fosse dado nascer de novo, eu faria como o amigo: suplicaria ao Senhor que se não fosse para eu rever todos aqueles que andaram comigo, que estiveram comigo no mesmo vagão - ou no vagão da frente ou no de trás, mas que, de vez em quando, passavam pelo meu e, quando dava certo, sentavam-se ao meu lado - não seria do meu gosto voltar a viver. Não. "Não, meu bom Senhor, dir-lhe-ia emocionado e humildemente". E completaria, assim como você completou, mesmo sem saber como será: "se tem Sol e Lua, e a mesma sucessão de dias e noites; se existirão praias ou rios, matas e pássaros, a cantar; se acontecerão Inverno e Verão;" - porém me deixaria - como você bem falou - mais perto daqueles que, se eu nascesse de novo, gostaria que eles estivessem de volta comigo. Por isso, caro amigo, que eu compreendo o que é ser emotivo numa hora dessas, pois ter a alma de poeta e o coração de um grande contador de histórias faz com que essa sensibilidade percorra caminhos, como diria nosso Presidente: "nunca na história desse país existiu alguém assim, tão sensível e tão dedicado ao que faz".
E, se eu posso lhe dar um conselho - uma temeridade de minha parte -, toque seus projetos, sim: um de cada vez. Ainda não tenho 85 anos, mas tenho um pouco da garra que o nobre amigo sempre teve e que demonstra em tudo aquilo que escreveu até hoje.
Ter 85 anos - mesmo estando passando por pequenos problemas de saúde - e, mesmo assim, estar repleto de planos, de textos (com certeza, tão bons - ou melhores - do que os que já escreveu), alguns até com relevância acadêmica, não é para ser deixado de lado. Quem sabe, ao olhar o barco que vem chegando trazendo muitas ou poucas pessoas, no entardecer do Rio Potengy, isso não lhe dê ânimo para mais duas páginas? E não deixe de terminar a revisão de "A Minha Velha Rua" e, se possível, a publique logo, pois, com certeza, teremos aí mais um livro que ficará nos anais da história de Mossoró.
E os outros, sucessivamente; ora olhando o rio, ora olhando o mar - mesmo que algumas tardes se tornem "gris" e, em outras, as divagações tomem conta daquilo que você estava escrevendo. Uma coisa eu garanto: nunca mais na minha vida eu vou deixar de lembrar você toda vez que - onde eu estiver - caiam "as abençoadas chuvas de Mossoró".
Meu amigo, muita saúde, muita paz e férteis pensamentos literários.
Um abraço de admiração,
Raimundo Antonio
Caríssimo Obery Rodrigues,
Conversei a semana passada com o professor Giovanni e, através dele, estarei lhe enviando, dia 25/01, um exemplar da Gazeta, junto com um livro meu - os dois, autografados.
Sabe, uma das coisas que percebi em seus textos - parágrafos inteiros - foi a sua capacidade de inserir o leitor dentro do próprio universo do autor. E isso é um dom. Em alguns textos, eu me vi escrevendo, como fossem minhas, as crônicas: "O Espelho", "Divagações" e "Se me Fosse Dado Nascer Outra Vez". Cada uma delas, dentro daquilo que eu chamo “de ler nas entrelinhas" - e que faz com que o texto deixe de ter autor e, ao mesmo tempo, leitor, passando a ser uma interação ampla e completa das reflexões nela escritas, entre ambos -, e que transportam toda a sensibilidade que o autor nos passa.
Vi-me, por tudo isso, diante dos espelhos da vida e me fiz parte do egocentrismo criado pela figura que aparecia diante de mim, desenhada, parecendo ser eu (deixando-me quase que narcisista diante da imagem fantasiada do meu querer - "E, defronte a eles, fui acompanhando a ação do tempo"); assim, quase querendo pegar com a mão o entardecer de uma janela que dá para o Rio Potengy, eu, de novo, me vi diante de algumas frases lindas e inesquecíveis que, se não fui eu quem as escreveu, pelo menos - como diriam os invejosos - desta forma eu também saberia escrevê-las. Ledo engano esse meu.
Divagar sobre coisas tão silenciosas, ir descrevendo cada detalhe de uma vida, como se fosse uma contabilidade bancária, não é para qualquer um. É, sim, para quem consegue dizer "... quando olhei pela janela, para um céu claro, onde nesgas de nuvens de algodão estavam praticamente paradas, parecendo não haver vento para tangê-las, parecendo, até, que ele, o vento, acordara com preguiça, como eu. Curiosamente, levantei-me e fui para outra janela, olhar o mar". O que dizer disso tudo? É completar com o olhar que descansa sobre "um barco cheio de gente alegre ou de algum solitário que, navegando sobre as ondas, às vezes mansas, às vezes revoltas, buscava paz e o silêncio do mar, em busca de um porto inatingível. O mar e o céu, o sol durante o dia e, à noite, um céu cintilante de estrelas". Mais lindo e poético do que isso...
Ao mesmo tempo em que você nos faz recordar cenas do nosso cotidiano, nos faz lembrar os aventureiros que, em suas solidões de peregrinos errantes dos mares, consolam-se com o esplendor de uma noite nos árticos - somente eles e as estrelas e um mar em eterno equilíbrio com as suas divagações. Acho que é assim como se sente. Pelo menos eu imagino que seja.
E, por fim, se me fosse dado nascer de novo, eu faria como o amigo: suplicaria ao Senhor que se não fosse para eu rever todos aqueles que andaram comigo, que estiveram comigo no mesmo vagão - ou no vagão da frente ou no de trás, mas que, de vez em quando, passavam pelo meu e, quando dava certo, sentavam-se ao meu lado - não seria do meu gosto voltar a viver. Não. "Não, meu bom Senhor, dir-lhe-ia emocionado e humildemente". E completaria, assim como você completou, mesmo sem saber como será: "se tem Sol e Lua, e a mesma sucessão de dias e noites; se existirão praias ou rios, matas e pássaros, a cantar; se acontecerão Inverno e Verão;" - porém me deixaria - como você bem falou - mais perto daqueles que, se eu nascesse de novo, gostaria que eles estivessem de volta comigo. Por isso, caro amigo, que eu compreendo o que é ser emotivo numa hora dessas, pois ter a alma de poeta e o coração de um grande contador de histórias faz com que essa sensibilidade percorra caminhos, como diria nosso Presidente: "nunca na história desse país existiu alguém assim, tão sensível e tão dedicado ao que faz".
E, se eu posso lhe dar um conselho - uma temeridade de minha parte -, toque seus projetos, sim: um de cada vez. Ainda não tenho 85 anos, mas tenho um pouco da garra que o nobre amigo sempre teve e que demonstra em tudo aquilo que escreveu até hoje.
Ter 85 anos - mesmo estando passando por pequenos problemas de saúde - e, mesmo assim, estar repleto de planos, de textos (com certeza, tão bons - ou melhores - do que os que já escreveu), alguns até com relevância acadêmica, não é para ser deixado de lado. Quem sabe, ao olhar o barco que vem chegando trazendo muitas ou poucas pessoas, no entardecer do Rio Potengy, isso não lhe dê ânimo para mais duas páginas? E não deixe de terminar a revisão de "A Minha Velha Rua" e, se possível, a publique logo, pois, com certeza, teremos aí mais um livro que ficará nos anais da história de Mossoró.
E os outros, sucessivamente; ora olhando o rio, ora olhando o mar - mesmo que algumas tardes se tornem "gris" e, em outras, as divagações tomem conta daquilo que você estava escrevendo. Uma coisa eu garanto: nunca mais na minha vida eu vou deixar de lembrar você toda vez que - onde eu estiver - caiam "as abençoadas chuvas de Mossoró".
Meu amigo, muita saúde, muita paz e férteis pensamentos literários.
Um abraço de admiração,
Raimundo Antonio
Obs. Imagem do rio Potengi visto através de um prédio localizado na Cidade Alta.