Professor, agora lhe escrevo de outro lugar.
Não sei bem onde estou, mas estou a caminho. Saí em salvo conduto.
Dentre o cinza de antes, agora vejo luz e cor. Não nítidas e vibrantes, mas há cor.
O caminho é estreito, às vezes sufocante, mas ando um pouco a cada dia. Venço uma etapa por vez.
Há momentos que vacilo, quase volto, pois o desterro eu conheço. Trilhei cada centímetro tateando na escuridão, no esquecimento da morte em vida.
Mas prossigo.
É doloroso, as pernas travam, os joelhos sangram. A alma grita, mas ninguém escuta.
Minhas companheiras de antes vão ficando para trás. Tentam, mas já não conseguem me acompanhar.
A luz já não ofusca mais meus olhos, e dentre o brilho, identifico formas. Formas conhecidas, que ali já estavam, mas eu não via. Consigo tocá-las, sentir-las, me aquecer em seu calor.
Há outras, mas a estas sou invisível.
Adiante, onde ainda não alcancei, há algo.
Não sei bem o que é. Não consigo identificar com os olhos, mas identifico com o coração. Não vejo seus lábios, mas sinto suas palavras. Não vejo suas feridas, mas sinto suas dores. Não vejo seus olhos, mas sinto suas lágrimas e sorrisos.
Mas algo eu vejo ..... são mãos alcançando as minhas.
Agora é mais fácil caminhar. Pois se canso, tenho onde apoiar a cabeça; se caio, tenho onde apoiar minhas mãos.
Vou chegar, Professor. Pode aguardar.
(Dedicado ao meu querido Márcio, que mesmo eu sendo Deísta, me tem estima)
Imagem: agulheta.blogs.sapo.pt