O PRAZER DE LER OBERY...
Amigo Obery,
Acabei de ler o seu livro “Crônicas Anacrônicas” que de antiquadas ou retrógradas elas não têm nada. Até poderia dizer que as reminiscências contidas nesta coletânea são, na verdade, tesouros que servirão, no futuro, àqueles que se aventurarem a pesquisar sobre o verdadeiro universo das crônicas.
É claro que aqui desejo apenas registrar a satisfação de ter lido um ótimo livro, que conta uma trajetória de mais de 50 anos, sem querer me deter na crítica literária, mesmo porque eu não saberia fazê-lo. Como disse Arnaldo Fernandes de Souza, quero apenas “alinhar algumas impressões recolhidas da leitura” que fiz.
Parece-me que os deuses são matreiros em suas presepadas. A mitologia está aí para provar. Domingo, 02/01/10, ao meio-dia, eu cheguei à Rodoviária Diran Amaral, apressado, uma valise numa das mãos; na outra, um livro de crônicas. Mal cheguei, comprei a passagem, sentei-me para esperar a hora da partida e cai um dilúvio na cidade. Um pouquinho antes, eu estava a ler “Obery, o cronista e Obery, o homem". Quando abri na primeira crônica, “A Chuva”, o “toró” se fez pano de fundo para acompanhar “as abençoadas chuvas de Mossoró”. E juro que a minha vontade era que o nobre amigo estivesse aqui para acompanhar os pingos grossos que caíam sobre a estrutura metálica provocando uma espécie de êxtase auditivo que nem Mozart, em sua melhor sinfonia, nem de longe, conseguiria imitar; e, ao mesmo tempo, um aumento nos batimentos cardíacos que parecia ser o coração querendo acompanhar o ritmo provocado pela fúria da natureza para molhar, de verdade, o chão castigado pela seca.
Apesar de tudo, não tive medo. Estava levemente embriagado pelas frases de cada parágrafo, todas elas alternando o coloquial com o lirismo das poesias de Cecília Meireles, Cora Coralina e João Cabral de Melo Neto, e com o seu final na melhor das expressões: “Se Deus quiser ainda vou matar a saudade de ver uma copiosa chuva, cheirosa, cantante, reluzente e esplendorosa...” Acho que dessa vez você pode vir, pois a chuva que você verá não será apenas de pingos e nem será preciso três dias de espera.
E foi por ela que eu entrei no ônibus, rumo à cidade onde você mora e costuma olhar o pôr-do-sol de sua janela. E, confesso, me fiz “gris” e, quando percebi, estava melancólico. O sentido de cada palavra usada me fez lembranças e eu só me recuperei quando li que “só existe solidão para quem não conhece Deus” (Pe. Huberto Bruening). Então eu disse: tenho Deus e esse livro, portanto, não estou sozinho.
Em quatro horas, eu devorei a metade de suas páginas. Relembrei minhas missas aos domingos, às 09h00min, com Pe. Huberto, o som do órgão – não tinha a curiosidade de saber quem tocava –, mas quem tocava deixava a missa mais santa do que já era e, na medida em que as páginas iam passando, os títulos se sucedendo, o meu mundo se fundia às deliciosas reflexões do meu tempo de menino: revi as bodegas, os amigos da minha rua, as noites em que, deitados, eu e meus irmãos - lado a lado -, em redes, éramos embalados pela voz suave de nossa genitora a cantar “Cinderela”; dos veraneios em Tibau, a saudade das areias coloridas que não existem mais.
A outra metade, eu li à noite, aí, pertinho de você, também no Tirol – Casa do Professor. Posso dizer sem demagogia que, do que li, nada se perde. Você dá uma verdadeira aula de como se deve escrever crônicas. Aprendi muito. E senti, principalmente. Senti o homem por trás do cronista. Aquele que ainda sente saudade dos trinta e dois anos e meio de bons serviços prestados e do genuíno mossoroense que não perde a oportunidade de enaltecer o seu torrão natal.
E já passava – e muito – das 02h00min da manhã quando eu fechei o livro. Fiquei ali olhando para o teto – sem nada ver, com a imaginação fértil, o sorriso que só a alma vê e um respeito muito grande por tudo que havia acabado de ler. Dele, eu retiro as lições de quem escreve com sabedoria, me aproveito de algumas palavras e as tomo para mim e, principalmente, aprendo que só evoluímos quando nos identificamos com os nossos pares.
Quero deixar, aqui registrados, a minha gratidão e o meu respeito. Agradeço, como se fossem escritas para mim, as 33 crônicas, pois todas elas me tocaram profundamente. E, por fim, Afrânio Coutinho, crítico literário, disse uma vez que a marca registrada dos textos de Rubem Braga (o sabiá das crônicas) é a "crônica poética, na qual alia um estilo próprio a um intenso lirismo, provocado pelos acontecimentos cotidianos, pelas paisagens, pelos estados de alma, pelas pessoas, pela natureza." Concordo. Porém, esqueceram de dizer a ele – ou ele de pesquisar um pouco mais – que subindo um pouco mais, bem aqui no sertão nordestino, tem um canário que faz as mesmas coisas.
Um abraço,
Raimundo Antonio
Amigo Obery,
Acabei de ler o seu livro “Crônicas Anacrônicas” que de antiquadas ou retrógradas elas não têm nada. Até poderia dizer que as reminiscências contidas nesta coletânea são, na verdade, tesouros que servirão, no futuro, àqueles que se aventurarem a pesquisar sobre o verdadeiro universo das crônicas.
É claro que aqui desejo apenas registrar a satisfação de ter lido um ótimo livro, que conta uma trajetória de mais de 50 anos, sem querer me deter na crítica literária, mesmo porque eu não saberia fazê-lo. Como disse Arnaldo Fernandes de Souza, quero apenas “alinhar algumas impressões recolhidas da leitura” que fiz.
Parece-me que os deuses são matreiros em suas presepadas. A mitologia está aí para provar. Domingo, 02/01/10, ao meio-dia, eu cheguei à Rodoviária Diran Amaral, apressado, uma valise numa das mãos; na outra, um livro de crônicas. Mal cheguei, comprei a passagem, sentei-me para esperar a hora da partida e cai um dilúvio na cidade. Um pouquinho antes, eu estava a ler “Obery, o cronista e Obery, o homem". Quando abri na primeira crônica, “A Chuva”, o “toró” se fez pano de fundo para acompanhar “as abençoadas chuvas de Mossoró”. E juro que a minha vontade era que o nobre amigo estivesse aqui para acompanhar os pingos grossos que caíam sobre a estrutura metálica provocando uma espécie de êxtase auditivo que nem Mozart, em sua melhor sinfonia, nem de longe, conseguiria imitar; e, ao mesmo tempo, um aumento nos batimentos cardíacos que parecia ser o coração querendo acompanhar o ritmo provocado pela fúria da natureza para molhar, de verdade, o chão castigado pela seca.
Apesar de tudo, não tive medo. Estava levemente embriagado pelas frases de cada parágrafo, todas elas alternando o coloquial com o lirismo das poesias de Cecília Meireles, Cora Coralina e João Cabral de Melo Neto, e com o seu final na melhor das expressões: “Se Deus quiser ainda vou matar a saudade de ver uma copiosa chuva, cheirosa, cantante, reluzente e esplendorosa...” Acho que dessa vez você pode vir, pois a chuva que você verá não será apenas de pingos e nem será preciso três dias de espera.
E foi por ela que eu entrei no ônibus, rumo à cidade onde você mora e costuma olhar o pôr-do-sol de sua janela. E, confesso, me fiz “gris” e, quando percebi, estava melancólico. O sentido de cada palavra usada me fez lembranças e eu só me recuperei quando li que “só existe solidão para quem não conhece Deus” (Pe. Huberto Bruening). Então eu disse: tenho Deus e esse livro, portanto, não estou sozinho.
Em quatro horas, eu devorei a metade de suas páginas. Relembrei minhas missas aos domingos, às 09h00min, com Pe. Huberto, o som do órgão – não tinha a curiosidade de saber quem tocava –, mas quem tocava deixava a missa mais santa do que já era e, na medida em que as páginas iam passando, os títulos se sucedendo, o meu mundo se fundia às deliciosas reflexões do meu tempo de menino: revi as bodegas, os amigos da minha rua, as noites em que, deitados, eu e meus irmãos - lado a lado -, em redes, éramos embalados pela voz suave de nossa genitora a cantar “Cinderela”; dos veraneios em Tibau, a saudade das areias coloridas que não existem mais.
A outra metade, eu li à noite, aí, pertinho de você, também no Tirol – Casa do Professor. Posso dizer sem demagogia que, do que li, nada se perde. Você dá uma verdadeira aula de como se deve escrever crônicas. Aprendi muito. E senti, principalmente. Senti o homem por trás do cronista. Aquele que ainda sente saudade dos trinta e dois anos e meio de bons serviços prestados e do genuíno mossoroense que não perde a oportunidade de enaltecer o seu torrão natal.
E já passava – e muito – das 02h00min da manhã quando eu fechei o livro. Fiquei ali olhando para o teto – sem nada ver, com a imaginação fértil, o sorriso que só a alma vê e um respeito muito grande por tudo que havia acabado de ler. Dele, eu retiro as lições de quem escreve com sabedoria, me aproveito de algumas palavras e as tomo para mim e, principalmente, aprendo que só evoluímos quando nos identificamos com os nossos pares.
Quero deixar, aqui registrados, a minha gratidão e o meu respeito. Agradeço, como se fossem escritas para mim, as 33 crônicas, pois todas elas me tocaram profundamente. E, por fim, Afrânio Coutinho, crítico literário, disse uma vez que a marca registrada dos textos de Rubem Braga (o sabiá das crônicas) é a "crônica poética, na qual alia um estilo próprio a um intenso lirismo, provocado pelos acontecimentos cotidianos, pelas paisagens, pelos estados de alma, pelas pessoas, pela natureza." Concordo. Porém, esqueceram de dizer a ele – ou ele de pesquisar um pouco mais – que subindo um pouco mais, bem aqui no sertão nordestino, tem um canário que faz as mesmas coisas.
Um abraço,
Raimundo Antonio