Generais não mascam chicletes

Desculpe, mãe. Eu não pude voltar vivo da guerra. Bem que tentei. Mas morremos todos, sempre morremos. Meus sonhos, minhas lembranças e meus amigos estão enterrados na trincheira, a quem chamamos, traiçoeira. Ninguém, ninguém volta vivo depois de uma batalha sangrenta. Entre vivos e feridos, morreram todos, não restou nem baratas. Mãe, a guerra lá fora, é diferente, aqui dentro o sangue nem mais escorre. Mas vemos as veias rasgadas como rios.

Sabe aquele sonho que tínhamos de mudar o mundo? Pois escorreram pelas montanhas, como o sangue nosso de cada companheiro que ia tombando. Somos todos mortos, companheiros de armas, ou oponentes de coração. Estamos todos estilhaçados, como as granadas de nossas lutas, e nossos pedaços estão espalhados pelo front. A pomba branca que trazia a paz compartilha suas penas com a gente.

Nossos vultos vagam pelos campos em busca de uma goma de mascar para distrair os dentes. Os que ainda respiram, são fantasmas do que foram um dia. Nossos lamentos são como um muro de milhares de anos. Mãe, porque nossas vidas não são como os bônus do videogame? Cadê o “reset” deste jogo? Somos tão competentes para destruir a nossos semelhantes, assim como a nós mesmos. Matar as pessoas, mesmo que adversários, é como cortar os dedos. Nossos corpos se dilaceram e não podemos reiniciar o jogo.

Ainda ontem quebrei os espelhos que restavam no acampamento, não suportava mais ver a imagem do monstro que se instalou lá dentro, e me encarava furioso, cada vez que olhava para ele. Os ratos e os vermes que comandavam meu corpo de humano, ficam escondidos sob meu casaco de sargento, assustados com minhas honrarias de herói. O reflexo de minhas comendas aflora meu instinto de animal. Todas essas medalhas, mãe, ganhei matando gente, cortando meus dedos.

Precisava matar! Eles queimam quem desobedece. As chamas libertam minha alma chamuscada, mas você vai receber uma medalha, mãe, envolta numa bandeira assassina. A mentira consumiu minha carne, nem sei onde está meu corpo, mas caminho em círculos, há milênios, me parece, que não saio do lugar. Mãe, me desculpe, mas eu não deveria ter saído do meu berço.

J B Ziegler
Enviado por J B Ziegler em 02/01/2010
Código do texto: T2007333
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